TEXTO PARA A QUESTÃO.
Boas maneiras no bar
Paulo Pestana
Crônica
O ambiente dos botequins pode assustar aos
incautos, principalmente a quem torce o nariz para aquela
descontração toda. Mas é preciso compreender que ali –
incluindo a classe dos pés-sujos – também há uma
etiqueta, o que, conforme os franceses ensinaram, é
aquele conjunto de normas cerimoniais que controlam o
comportamento adequado a cada situação social. Coisa de
gente fina.
Não obedece aos mesmos parâmetros que as
moças de boa família encontravam no Socila, o mais
badalado curso de boas maneiras e elegância do país, que
hoje oferece até aulas via computador, prometendo 12
segredos infalíveis para causar boa impressão. Também
não chega ao nível de detalhamento do Jornal das Moças,
antiga publicação com artigos e dicas para as casadoiras.
A etiqueta do botequim é um conjunto de normas
que garante a boa convivência entre os frequentadores,
um povo eclético, difícil, cuja beligerância aumenta de
acordo com o esvaziamento dos copos. São, na prática,
regras de armistício.
Uma delas é o tratamento dispensado ao
atendente. Se for o proprietário, é preciso cuidado porque
normalmente são pessoas calejadas pelos chatos que são
atraídos como moscas na vitrine de petiscos. Esses calos
não engrossam apenas a pele, mas o caráter, o que muitas
vezes é confundido com grossura, mas outras é ignorância
pura mesmo.
Regra número um: não chame o atendente de
psiu. É ofensa grave. Faça como o pessoal do Skank: chame
de chefia, amigão, tio, brother, camarada – mas nunca de
“ô”, “pist”, ou qualquer outra onomatopeia. O mais
educado é perguntar o nome e tratá-lo por ele; é garantia
de bom atendimento, copo limpo e petisco intacto.
Outra norma importante vai na contramão da
etiqueta formal: o palito. O ato de esgaravatar os dentes
fez com que dentistas e dândis se unissem e formassem
uma liga contrária. E palitos, nem aqueles que vêm
embrulhadinhos, são permitidos em mesas de gente bem.
No boteco é o contrário. O palito é o que mantém aquele
bife a rolê do mostruário firme, enrolado na cenoura, e
ainda serve para retirar o fiapo que ficou entre os dentes.
O palito é também usado para passar o tempo no
jogo de porrinha, para tirar caraca de baixo da unha, riscar
a toalha de papel vegetal na mesa, até para segurar
guardanapo sobre o petisco, antes da mosca pousar. Se
nos restaurantes não se usa palito nem no banheiro com a
luz apagada, como ensinava Danuza Leão, nos bares eles
são insubstituíveis.
Outro elemento importante, que exige uma
técnica especial, é a cordinha da descarga do banheiro.
Boteco raiz não tem urinol preso na parede. As
necessidades são feitas num único lugar: a privada. Mas é
preciso dar descarga; e aí vem a dúvida: a cordinha para
liberar a água deve ser pega por onde? Na pontinha? Lá
em cima? No meio? Tudo encardido. Melhor usar papel
higiênico e puxar.
Por fim, uma regra básica: não reclame da
comida. Não se devolve prato por causa de um bife com
nervo ou fora do ponto, como em restaurante. O
substituto pode vir com sabor de vingança; ácido, amargo
e, às vezes, pegajoso.
PESTANA, Paulo. Boas maneiras no bar. Correio Braziliense, 31 de maio de
2023. Disponível em:
https://blogs.correiobraziliense.com.br/paulopestana/boas-maneiras-nobar/. Acesso em: 18 jun. 2023.