Texto CB1A1-I
Quais são as consequências dessa pandemia no que diz
respeito à reflexão sobre igualdade, interdependência global e
nossas obrigações uns com os outros? O vírus não discrimina.
Por conta da forma pela qual se move e ataca, ele demonstra que
a comunidade humana é igualmente precária. Ao mesmo tempo,
contudo, o fracasso por parte de certos Estados ou regiões em se
prepararem adequadamente de antemão, o fechamento de
fronteiras e a chegada de empreendedores ávidos para capitalizar
em cima do sofrimento global, tudo isso atesta a velocidade com
a qual a desigualdade radical e a exploração capitalista
encontram formas de reproduzir e fortalecer seus poderes no
interior das zonas de pandemia. Um cenário que já podemos
imaginar é a produção e comercialização de uma vacina eficaz
contra a covid-19. Nós certamente veremos os ricos e os
plenamente assegurados correrem para garantir acesso a qualquer
vacina quando ela se tornar disponível. A desigualdade social e
econômica garantirá a discriminação. O vírus por si só não
discrimina, mas nós humanos certamente o fazemos, moldados e
movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do
racismo, da xenofobia e do capitalismo. Parece provável que
passaremos a ver, no próximo ano, um cenário doloroso no qual
algumas criaturas humanas afirmam seu direito de viver ao custo
de outras, reinscrevendo a distinção espúria entre vidas passíveis
e não passíveis de luto, isto é, entre aqueles que devem ser
protegidos contra a morte a qualquer custo e aqueles cujas vidas
não valem o bastante para serem salvaguardadas da doença e da
morte.
Judith Butler. O capitalismo tem seus limites.
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