Para ele, o fim do ano era sempre uma época dura, difícil de suportar. Sofria daquele tipo de tristeza mórbida que acomete
algumas pessoas nos festejos de Natal e de Ano-Novo. No seu caso havia uma razão óbvia para isso: aos setenta anos, solteirão,
sem parentes, sem amigos, não tinha com quem celebrar, ninguém o convidava para festa alguma. O jeito era tomar um porre, e era o
que fazia, mas o resultado era melancólico: além da solidão, tinha de suportar a ressaca.
No passado, convivera muito tempo com a mãe. Filho único, sentia-se obrigado a cuidar da velhinha que cedo enviuvara. Não
se tratava de tarefa fácil: como ele, a mãe era uma mulher amargurada. Contra a sua vontade, tinha casado, em 31 de dezembro de
1914 (o ano em que começou a Grande Guerra, como ela fazia questão de lembrar) com um homem de quem não gostava, mas que
pais e familiares achavam um bom partido. Resultado desse matrimônio: um filho e longos anos de sofrimento e frustração. O filho
tinha de ouvir suas constantes e ressentidas queixas. Coisa que suportava estoicamente; não deixou, contudo, de sentir certo alívio
quando de seu falecimento, em 1984. Este alívio resultou em culpa, uma culpa que retornava a cada Natal. Porque a mãe falecera
exatamente na noite de Natal. Na véspera, no hospital, ela lhe fizera uma confissão surpreendente: muito jovem, apaixonara-se por
um primo, que acabou se transformando no grande amor de sua vida. Mas a família do primo mudara-se, e ela nunca mais tivera
notícias dele. Nunca recebera uma carta, uma mensagem, nada. Nem ao menos um cartão de Natal.
No dia 24 pela manhã ele encontrou um envelope na carta do correio. Como em geral não recebia correspondência alguma, foi
com alguma estranheza que abriu o envelope.
Era um cartão de Natal, e tinha a falecida mãe como destinatária. Um velhíssimo cartão, uma coisa muito antiga, amarelada
pelo tempo. De um lado, um desenho do Papai Noel sorrindo para uma menina. Do outro lado, a data: 23 de dezembro de 1914. E
uma única frase: “Eu te amo.”
A assinatura era ilegível, mas ele sabia quem era o remetente: o primo, claro. O primo por quem a mãe se apaixonara, e que,
por meio daquele cartão, quisera associar o Natal a uma mensagem de amor. Uma nova vida, era o que estava prometendo. Esta
mensagem e esta promessa jamais tinham chegado a seu destino. Mas de algum modo o recado chegara a ele. Por quê? Que
secreto desígnio haveria atrás daquilo?
Cartão na mão, aproximou-se da janela. Ali, parada sob o poste de iluminação, estava uma mulher já madura, modestamente
vestida, uma mulher ainda bonita. Uma desconhecida, claro, mas o que importava? Seguramente o destino a trouxera ali, assim como
trouxera o cartão de Natal. Num impulso, abriu a porta do apartamento e, sempre segurando o cartão, correu para fora. Tinha uma
mensagem para entregar àquela mulher. Uma mensagem que poderia transformar a vida de ambos, e que era, por isso, um
verdadeiro presente de Natal.
(SCLIAR, Moacyr. Mensagem de Natal. Porto Alegre: L&PM, 2018, p. 26-28)