A riqueza e o primoroso esmero do trajar, o porte altivo e
senhoril, certo balanceio afetado e langoroso dos movimentos
davam-lhe esse ar pretensioso, que acompanha toda moça
bonita e rica, ainda mesmo quando está sozinha. Mas com todo
esse luxo e donaire de grande senhora nem por isso sua grande
beleza deixava de ficar algum tanto eclipsada em presença das
formas puras e corretas, da nobre singeleza, e dos tão naturais
e modestos ademanes da cantora. Todavia Malvina era linda,
encantadora mesmo, e posto que vaidosa da sua formosura e
alta posição, transluzia-lhe nos grandes e meigos olhos azuis
toda a nativa bondade do seu coração.
Malvina aproximou-se de manso e sem ser pressentida
para junto da cantora, colocando-se por detrás dela esperou
que terminasse a última copla.
— Isaura!... disse ela pousando de leve a delicada mãozinha sobre o ombro da cantora.
— Ah! é a senhora?! — respondeu Isaura voltando-se
sobressaltada.
— Não sabia que estava aí me escutando.
— Pois que tem isso?... continua a cantar... tens a voz
tão bonita!... mas eu antes quisera que cantasses outra
coisa; porque é que você gosta tanto dessa cantiga tão triste,
que você aprendeu não sei onde?...
— Gosto dela, porque acho-a bonita e porque... ah! não
devo falar...
— Fala, Isaura. Já não te disse que nada me deves esconder, e nada recear de mim?...
— Porque me faz lembrar da minha mãe, que eu não
conheci, coitada!... Mas se a senhora não gosta dessa cantiga,
não a cantarei mais.
— Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que
és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores
bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida que faria
inveja a muita gente livre. Gozas da estima dos teus senhores.
Deram-te uma educação, como não tiveram muitas ricas e ilustres damas que eu conheço.
(A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães. Fragmento.)