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TEXTO III
Corações mais saudáveis do mundo estão em
povoado indígena da Bolívia, indica estudo
Segundo a pesquisa, publicada na revista científica Lancet, praticamente nenhum tsimane tinha sinais de artérias entupidas ─ inclusive aqueles com idade avançada. “É uma população incrível” com dietas e estilos de vida radicalmente diferentes, dizem os pesquisadores.
Os tsimanes caçam a própria comida e comem o que plantam. Os responsáveis pelo estudo afirmam que, apesar de o restante do mundo não poder fazer o mesmo, há lições a serem aprendidas.
Atualmente, a população dos tsimanes está estimada em 16 mil. Eles caçam, pescam e cultivam alimentos ao longo do Rio Raniqui, na floresta amazônica da Bolívia. O estilo de vida deles guarda semelhanças com o da civilização humana de milhares de anos atrás. O povoado isolado exigiu esforço dos cientistas, que tiveram de pegar vários voos e até uma canoa para chegar ao local.
Como é a dieta tsimane – e no que ela difere da nossa?
• 17% da dieta dos tsimanes é uma combinação de carnes de porco selvagem, anta e capivara.
• 7% é composta de peixes frescos, como piranha e bagre.
• O restante vem da agricultura, como arroz, milho, mandioca e banana da terra.
• Eles também consomem grandes quantidades de frutas silvestres e nozes.
Ou seja...
• 72% das calorias diárias dos tsimanes vêm de carboidratos, comparado a 52% nos Estados Unidos.
• 14% vêm de gorduras, comparado com 34% nos Estados Unidos (eles também consomem muito menos gordura saturada).
• Tanto os tsimanes quanto os americanos consomem o mesmo porcentual de proteínas (14%), mas o povo indígena come mais carne magra.
Atividade física
Os tsimanes também são mais bem mais ativos – os homens dão 17 mil passos por dia, e as mulheres, 16 mil. Até os maiores de 60 anos têm um desempenho bem acima do recomendado: 15 mil. Especialistas aconselham que as pessoas deem pelo menos 10 mil passos diários para manter um estilo de vida saudável.
Quão saudável é o coração dos tsimanes?
Para chegar às conclusões, os cientistas observaram o nível de cálcio nas artérias dos tsimanes – que indica o sinal de entupimento dos vasos sanguíneos e o risco de parada cardíaca. Eles examinaram o coração de 705 integrantes do povoado indígena por meio de tomografia computadorizada – e também receberam a ajuda de um grupo de pesquisa com experiência na análise de corpos mumificados.
Aos 45 anos, quase nenhum tsimane tinha CAC nas suas artérias, comparado a 25% dos americanos. E quando atingiram a idade de 75 anos, dois terços dos tsimanes não apresentavam nenhuma formação de cálcio no coração, comparado a 80% dos americanos. Os pesquisadores vêm estudando o povo há muito tempo. Dessa forma, eliminaram a possibilidade de que os resultados do estudo pudessem ter sido afetados pela morte precoce de alguns dos integrantes da comunidade.
Um dos pesquisadores, Michael Gurven, professor de antropologia da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, disse à BBC que o nível de cálcio no coração dos tsimanes «é muito menor do que em qualquer outra população do mundo para a qual existem dados». “As mulheres japonesas são as que chegam mais perto (dos tsimanes), mas mesmo assim há um oceano de distância”, acrescentou.
Os tsimanes também fumam menos, mas contraem mais infecções, o que potencialmente aumenta o risco de problemas cardíacos por causa da inflamação no corpo. Os pesquisadores acreditam, contudo, que vermes intestinais – que atenuam as reações do sistema imunológico – podem ser mais comuns nos organismos dos integrantes do povo indígena, ajudando, assim, a proteger seus corações.
O que os tsimanes podem nos ensinar?
“Diria que precisamos de uma abordagem mais holística em relação ao exercício físico do que simplesmente praticá-los no fim de semana”, diz Gurven. Para Gregory Thomas, do centro médico Long Beach Memorial na Califórnia, que também participou do estudo, “para manter a nossa saúde em dia, devemos nos exercitar muito mais do que nos exercitamos”. “O mundo moderno está nos mantendo vivos, mas a urbanização e a especialização da força de trabalho podem ser novos fatores de risco (para o coração)”, acrescentou o especialista. “Os tsimanes também vivem em pequenas comunidades, socializam bastante e mantêm uma perspectiva otimista para a vida”, completou.
Reações
Gavin Sandercock, professor de fisiologia clínica na Universidade de Essex, no Reino Unido, que não participou do estudo, elogiou as descobertas da pesquisa. “É uma excelente pesquisa com descobertas únicas”, afirmou. “Os tsinames obtêm 72% de sua energia dos carboidratos. E o fato de eles terem os melhores indicadores de saúde cardiovascular já registrados vai de encontro à suposição de que os carboidratos não são saudáveis.”
Já o professor Naveed Sattar, da Universidade de Glasgow, disse se tratar de “um maravilhoso estudo da vida real que reafirma tudo o que entendemos sobre como prevenir doenças coronarianas”. “Em outras palavras, ter uma dieta saudável pobre em gorduras saturadas e repleta de produtos não processados, não fumar e ser ativo ao longo da vida está associado a um risco menor de entupimento de vasos sanguíneos”, conclui.
As doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, são a maior causa de mortes no Brasil – são mais de 700 paradas cardíacas por dia e 300 mil mortes por ano (um terço do total geral). A alta frequência do problema posiciona o Brasil entre os dez países com maior índice de mortes por doenças cardiovasculares.
GALLAGHER, James. Corações mais saudáveis do mundo estão em
povoado da Bolívia, indica estudo. BBC Brasil. 20 mar. 2017.
Disponível em:<http://www.bbc.com/portuguese/geral-39308331>
Releia o trecho a seguir.
“Tanto os tsimanes quanto os americanos consomem o mesmo porcentual de proteínas (14%), mas o povo indígena come mais carne magra.”
Assinale a alternativa em que a reescrita do trecho altera seu sentido original.
TEXTO I
Que medicina nos espera amanhã?
Temos medicina primária que não necessita de minhas críticas. Basta consultar a imprensa diariamente. Essa endemia na saúde, que persiste há décadas, mata milhares de vezes mais que as epidemias virais que hoje nos acometem. Os órgãos oficiais fazem campanhas, muitas vezes demagogicamente, apenas na hora da desgraça, não entendendo, ou não querendo entender, o significado da palavra prevenção, que é o pilar fundamental de qualquer sistema de saúde.
Metade da população não é servida por saneamento básico. Em compensação, a medicina terciária, da qual nos orgulhamos pela qualidade atingida, deveria estar em centros especializados devidamente localizados, espalhados pelo país, de preferência perto de centros universitários, de acordo com as necessidades regionais. Os gastos com tecnologia se reduziriam muito e equipamentos caríssimos não ficariam encaixotados, deteriorando-se, ou em mãos inexperientes, sem condições de ser utilizados. Por que, então, foram encaminhados a esses locais?
Para agravar, a maioria das escolas forma profissionais especializados, geralmente mais interessados em técnicas e métodos, e não em clínica. O contato com o paciente, o ouvir, o olhar, o palpar, o auscultar foram substituídos pelos exames complementares. O indivíduo transformou-se em algo secundário, meio de fazer funcionar uma máquina de produzir dinheiro, pois a medicina se transformou num grande negócio, nas mãos de empresários com enorme poder econômico. Julgo precisarmos mais de ética que de técnica. Mas ética “não dá dinheiro”.
A tecnologia transformou-nos numa tecnocracia dominadora amoral, quando deveria estar a serviço do paciente, comequilíbriodeinteressesenecessidades.Ela nos dá poder material que, quando não contrabalançado por um poder intelectual, pode tornar-se destrutiva.
A ciência também é amoral e deve ser digerida pela moral social. Quanto de tecnologia inútil se produz e se utiliza diariamente e quanto de ciência se publica para apenas engrossar currículos, sendo colocadas logo após na biblioteca do esquecimento, das inutilidades, sem colaborar em nada para uma saudável evolução? Quantos artigos médicos, além de aulas e conferências, são fraudados para convencer os menos informados a assumir determinadas condutas? Essa cultura já impregnou as academias médicas e as piores consequências se fazem sentir na qualidade do ensino e da assistência.
Como dizia Karl Marx, os setores que dominam o sistema financeiro, “ao fundarem a produção econômica na exploração da ciência aplicada, e ao monopolizarem em seu proveito as invenções tecnológicas”, caminhariam a passos largos para um domínio sem escrúpulos, amoral, das ciências. O paciente tornou-se um meio, e não um fim. Mesmo não sendo marxista, admiro a antevisão que teve esse pensador.
Demorará para sairmos desse padrão, em direção a uma situação eticamente aceitável, pois a mudança depende dos responsáveis por essa situação.
[...]
MADY, Charles. Que medicina nos espera amanhã? Estadão.
5 abr. 2016. Disponível em:<https://goo.gl/OFL5vW>
TEXTO I
Que medicina nos espera amanhã?
Temos medicina primária que não necessita de minhas críticas. Basta consultar a imprensa diariamente. Essa endemia na saúde, que persiste há décadas, mata milhares de vezes mais que as epidemias virais que hoje nos acometem. Os órgãos oficiais fazem campanhas, muitas vezes demagogicamente, apenas na hora da desgraça, não entendendo, ou não querendo entender, o significado da palavra prevenção, que é o pilar fundamental de qualquer sistema de saúde.
Metade da população não é servida por saneamento básico. Em compensação, a medicina terciária, da qual nos orgulhamos pela qualidade atingida, deveria estar em centros especializados devidamente localizados, espalhados pelo país, de preferência perto de centros universitários, de acordo com as necessidades regionais. Os gastos com tecnologia se reduziriam muito e equipamentos caríssimos não ficariam encaixotados, deteriorando-se, ou em mãos inexperientes, sem condições de ser utilizados. Por que, então, foram encaminhados a esses locais?
Para agravar, a maioria das escolas forma profissionais especializados, geralmente mais interessados em técnicas e métodos, e não em clínica. O contato com o paciente, o ouvir, o olhar, o palpar, o auscultar foram substituídos pelos exames complementares. O indivíduo transformou-se em algo secundário, meio de fazer funcionar uma máquina de produzir dinheiro, pois a medicina se transformou num grande negócio, nas mãos de empresários com enorme poder econômico. Julgo precisarmos mais de ética que de técnica. Mas ética “não dá dinheiro”.
A tecnologia transformou-nos numa tecnocracia dominadora amoral, quando deveria estar a serviço do paciente, comequilíbriodeinteressesenecessidades.Ela nos dá poder material que, quando não contrabalançado por um poder intelectual, pode tornar-se destrutiva.
A ciência também é amoral e deve ser digerida pela moral social. Quanto de tecnologia inútil se produz e se utiliza diariamente e quanto de ciência se publica para apenas engrossar currículos, sendo colocadas logo após na biblioteca do esquecimento, das inutilidades, sem colaborar em nada para uma saudável evolução? Quantos artigos médicos, além de aulas e conferências, são fraudados para convencer os menos informados a assumir determinadas condutas? Essa cultura já impregnou as academias médicas e as piores consequências se fazem sentir na qualidade do ensino e da assistência.
Como dizia Karl Marx, os setores que dominam o sistema financeiro, “ao fundarem a produção econômica na exploração da ciência aplicada, e ao monopolizarem em seu proveito as invenções tecnológicas”, caminhariam a passos largos para um domínio sem escrúpulos, amoral, das ciências. O paciente tornou-se um meio, e não um fim. Mesmo não sendo marxista, admiro a antevisão que teve esse pensador.
Demorará para sairmos desse padrão, em direção a uma situação eticamente aceitável, pois a mudança depende dos responsáveis por essa situação.
[...]
MADY, Charles. Que medicina nos espera amanhã? Estadão.
5 abr. 2016. Disponível em:<https://goo.gl/OFL5vW>
Releia o trecho a seguir.
“O indivíduo transformou-se em algo secundário [...], pois a medicina se transformou num grande negócio [...]”
Em relação aos períodos separados pela conjunção destacada, assinale a alternativa CORRETA.
“A Casa da Moeda interrompeu a produção de passaportes comuns e de urgência. O motivo, segundo a empresa pública em nota divulgada nesta quarta-feira (30/06/16), foi um defeito em uma das máquinas utilizadas na produção do documento. A previsão é que a confecção de novos passaportes seja retomada na próxima semana.”
(Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-06/casa-da-moeda-suspende-producao-de-passaporte-por-falha-em-maquina.)
Sobre o passaporte, assinale a afirmativa correta.
“Recentemente, dois casos de estupro recolocaram esse tipo de violência em pauta. O assunto voltou com força – nas redes sociais e fora delas. O que espanta, nesses casos, é uma reação de ‘normalidade’, de ‘naturalidade’ com que os agressores trataram seus crimes. A expressão ‘cultura do estupro’ voltou às mídias com intensidade.”
(Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/27/politica/1467035241_416636.html.)
Acerca da chamada “cultura do estupro”, analise as afirmativas a seguir.
I. A expressão “cultura do estupro” surgiu nos anos 1970, usada por feministas para indicar um ambiente cultural propício a esse tipo de crime.
II. “Ela provocou”, “ela estava de saia curta” são tipos de comentários que coloca em dúvida a denúncia da vítima – um traço da “cultura do estupro”.
III. A palavra “cultura” no termo “cultura do estupro” reforça a ideia de que esses comportamentos não podem ser interpretados como normais ou naturais.Se é cultural, nós criamos.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmativa(s)
Analise as afirmativas sobre procedimentos de backup.
I. O backup de cópia copia todos os arquivos selecionados e os marca como arquivos que passaram por backup.
II. O backup diferencial copia arquivos criados ou alterados desde o último backup normal ou incremental e os marca como arquivos que passaram por backup.
III.O backup incremental copia somente os arquivos criados ou alterados desde o último backup normal ou incremental e os marca como arquivos que passaram por backup.
Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s)
Analise as seguintes afirmativas sobre as teclas de atalho do navegador Internet Explorer 9 (Configuração Padrão – Idioma Português Brasil).
I. As teclas Ctrl+H são utilizadas para abrir os favoritos.
II. As teclas Ctrl+Tab são utilizadas para alternar entre as guias.
III. As teclas Alt+L são utilizadas para localizar um conteúdo em uma página.
Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s)
A questão refere-se ao trecho a seguir.
Nos últimos meses, os perigos da I.A. vêm sendo discutidos mais seriamente por gente brilhante como o astrofísico Stephen Hawking e o empresário Elon Musk, atuante nos setores de carros elétricos e exploração espacial. Porém, poucos atentaram à ideia central do pensador que desencadeou a discussão. O filósofo sueco Nick Bostrom não teme que as I.A’s. detestem pessoas ou que tentem machucá-las e afirma que essas máquinas serão indiferentes a nós.
A segunda palavra destacada no trecho funciona como
SOMOS OS MAIORES INIMIGOS DE NOSSA
POSSIBILIDADE DE PENSAR
Contardo Calligaris
Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém. Uso o Face apenas para selecionar um “feed” de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.
Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.
Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu – ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal. Mesmo na minha juventude, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade. Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo. Ora, junto com “L’Unità” eu sempre lia mais um jornal – o “Corriere della Sera”, se eu estivesse em Milão, o “Journal de Genève”, em Genebra, e o “Le Monde”, em Paris. Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos (não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas – em geral laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.
Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava. Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do “feed” do Face.
O “feed” do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal que apresenta apenas uma visão, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).
A gente se queixa que a mídia estaria difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.
De um lado, o leitor do “feed” não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve, sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz. O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu “jornal” as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.
Claro, que não é um caso de ignorância completa, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude – se não cresceu. O que temos, na verdade, é uma paixão pelo consenso.
Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.
Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o “feed” facilitam) será a polarização e o tribalismo.
Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas do apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.
Texto adaptado de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2016/09/1817706-somos-os-maiores-inimigos-de-nossa-possibilidade-de-pensar.shtml
SOMOS OS MAIORES INIMIGOS DE NOSSA POSSIBILIDADE DE PENSAR
Contardo Calligaris
Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém. Uso o Face apenas para selecionar um “feed” de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.
Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.
Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu – ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal.
Mesmo na minha juventude, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade. Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo. Ora, junto com “L’Unità” eu sempre lia mais um jornal – o “Corriere della Sera”, se eu estivesse em Milão, o “Journal de Genève”, em Genebra, e o “Le Monde”, em Paris. Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos (não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas – em geral laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.
Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava.
Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do “feed” do Face.
O “feed” do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal que apresenta apenas uma visão, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).
A gente se queixa que a mídia estaria difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.
De um lado, o leitor do “feed” não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve, sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz. O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu “jornal” as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.
Claro, que não é um caso de ignorância completa, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude – se não cresceu. O que temos, na verdade, é uma paixão pelo consenso.
Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.
Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o “feed” facilitam) será a polarização e o tribalismo.
Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas do apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.
Texto adaptado de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalli-garis/2016/09/1817706-somos-os-maiores-inimigos-de-nossa-possibili-dade-de-pensar.shtml