Leia o texto, para responder a questão.
Viajandões
Violência urbana nunca foi novidade. Aumentou, mas
sempre existiu. Porém, até ela já teve dias mais românticos.
Podemos quase sentir saudades de uma época em que os crimes eram protagonizados por uma turma que queria apenas
enriquecer sem trabalhar, e para isso invadia sua casa, levava
seu carro ou afanava sua bolsa, mas sempre tendo a delicadeza de avisar antes: “Mãos ao alto, isso é um assalto!”. Eles
sabiam o que estavam fazendo. E uma vez com o objeto do
desejo em mãos, iam embora apressados assim que ouviam
as sirenes da polícia, não sem antes fazer uma mesura de
despedida. Quase posso ver George Clooney no papel.
Hoje os meliantes chegam agressivamente comunicando “Perdeu! Perdeu!”, a polícia não aparece e ninguém sabe
direito o que está fazendo: se antes éramos surpreendidos
por um pessoal que, a seu modo, tentava evitar confusões
desnecessárias, hoje nos atacam completamente chapados,
alucinados e sem a menor condição de distinguir um assalto
de um assassinato. Não se pode mais escolher entre a vida
ou a bolsa: eles levam ambos.
A recomendação sempre foi a de não reagir. Eles têm
uma arma, você não. Obedeça. Porém, até um tempo atrás,
contávamos com um mínimo de discernimento a nosso favor.
Quem nos assaltava sabia que estava cometendo um crime,
sabia que deveria agir rápido e fazer o menor estrago possível, sem chamar atenção. Havia esperança de eles serem
minimamente lúcidos e fazerem um serviço limpo.
Hoje, o cara que nos ataca pensa que é todo-poderoso.
Tem delírio de todos os tipos. Se você ousar piscar os olhos,
ele poderá interpretar como um sinal feito para o carro da
frente. Se você estiver de camiseta verde, isso pode ser considerado uma provocação, já que a grama também é verde,
você por acaso o está mandando pastar? Em sua infinita doideira, nós é que somos a ameaça.
(Martha Medeiros, Feliz por nada. Adaptado)