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Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? – Por Eliane Brum
Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por décadas movimentos denunciaram a imposição de um único padrão de beleza. Mas só nos últimos anos, quando as vendas começaram a cair, a Mattel “sensibilizou-se” e reconheceu a multiplicidade das mulheres do mundo. Em 2015, a empresa já tinha iniciado a conversão da Barbie, lançando sua criação com novas tonalidades de pele, penteados e estruturas faciais, sem deixar de manter a “clássica”. Com a inclusão de novas formas, a boneca é lançada agora com sete tons de pele, quatro tipos de corpos, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos diferentes, na linha que chama de “Fashionistas”. Quando a mudança é anunciada, a Mattel já povoou a Terra com uma superpopulação de suas criaturas loiras, altas e magras. E a cabeça das crianças com um modelo que vai muito além de um padrão de beleza. Barbie é aquela que ensina as meninas que se nasce para consumir. Já foram produzidas mais de 1 bilhão dessas replicantes, há mais Barbies no mundo do que europeus na Europa. Nenhuma delas é “apenas” uma boneca. Se a pressão dos protestos contra a Barbie e o crescente protagonismo das minorias na afirmação da diversidade conseguiu fazer as vendas do produto caírem a ponto de obrigar uma das maiores fabricantes de brinquedos a se mover, não é pequena essa conquista. Mas é também assustadoramente fascinante observar o capitalismo em ação.
A estratégia da Mattel, que parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo, defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé quando as pessoas são reduzidas a consumidores. Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças a sua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso, Barbie seria uma anoréxica.
O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo – e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máxima seja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.
Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver? A pergunta parece ter silenciado. Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada e autorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?
Texto adaptado. Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html> Acesso em: 17 maio 2016.
Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? – Por Eliane Brum
Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por décadas movimentos denunciaram a imposição de um único padrão de beleza. Mas só nos últimos anos, quando as vendas começaram a cair, a Mattel “sensibilizou-se” e reconheceu a multiplicidade das mulheres do mundo. Em 2015, a empresa já tinha iniciado a conversão da Barbie, lançando sua criação com novas tonalidades de pele, penteados e estruturas faciais, sem deixar de manter a “clássica”. Com a inclusão de novas formas, a boneca é lançada agora com sete tons de pele, quatro tipos de corpos, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos diferentes, na linha que chama de “Fashionistas”. Quando a mudança é anunciada, a Mattel já povoou a Terra com uma superpopulação de suas criaturas loiras, altas e magras. E a cabeça das crianças com um modelo que vai muito além de um padrão de beleza. Barbie é aquela que ensina as meninas que se nasce para consumir. Já foram produzidas mais de 1 bilhão dessas replicantes, há mais Barbies no mundo do que europeus na Europa. Nenhuma delas é “apenas” uma boneca. Se a pressão dos protestos contra a Barbie e o crescente protagonismo das minorias na afirmação da diversidade conseguiu fazer as vendas do produto caírem a ponto de obrigar uma das maiores fabricantes de brinquedos a se mover, não é pequena essa conquista. Mas é também assustadoramente fascinante observar o capitalismo em ação.
A estratégia da Mattel, que parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo, defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé quando as pessoas são reduzidas a consumidores. Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças a sua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso, Barbie seria uma anoréxica.
O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo – e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máxima seja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.
Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver? A pergunta parece ter silenciado. Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada e autorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?
Texto adaptado. Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html> Acesso em: 17 maio 2016.
Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? – Por Eliane Brum
Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por décadas movimentos denunciaram a imposição de um único padrão de beleza. Mas só nos últimos anos, quando as vendas começaram a cair, a Mattel “sensibilizou-se” e reconheceu a multiplicidade das mulheres do mundo. Em 2015, a empresa já tinha iniciado a conversão da Barbie, lançando sua criação com novas tonalidades de pele, penteados e estruturas faciais, sem deixar de manter a “clássica”. Com a inclusão de novas formas, a boneca é lançada agora com sete tons de pele, quatro tipos de corpos, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos diferentes, na linha que chama de “Fashionistas”. Quando a mudança é anunciada, a Mattel já povoou a Terra com uma superpopulação de suas criaturas loiras, altas e magras. E a cabeça das crianças com um modelo que vai muito além de um padrão de beleza. Barbie é aquela que ensina as meninas que se nasce para consumir. Já foram produzidas mais de 1 bilhão dessas replicantes, há mais Barbies no mundo do que europeus na Europa. Nenhuma delas é “apenas” uma boneca. Se a pressão dos protestos contra a Barbie e o crescente protagonismo das minorias na afirmação da diversidade conseguiu fazer as vendas do produto caírem a ponto de obrigar uma das maiores fabricantes de brinquedos a se mover, não é pequena essa conquista. Mas é também assustadoramente fascinante observar o capitalismo em ação.
A estratégia da Mattel, que parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo, defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé quando as pessoas são reduzidas a consumidores. Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças a sua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso, Barbie seria uma anoréxica.
O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo – e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máxima seja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.
Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver? A pergunta parece ter silenciado. Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada e autorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?
Texto adaptado. Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html> Acesso em: 17 maio 2016.
Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? – Por Eliane Brum
Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por décadas movimentos denunciaram a imposição de um único padrão de beleza. Mas só nos últimos anos, quando as vendas começaram a cair, a Mattel “sensibilizou-se” e reconheceu a multiplicidade das mulheres do mundo. Em 2015, a empresa já tinha iniciado a conversão da Barbie, lançando sua criação com novas tonalidades de pele, penteados e estruturas faciais, sem deixar de manter a “clássica”. Com a inclusão de novas formas, a boneca é lançada agora com sete tons de pele, quatro tipos de corpos, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos diferentes, na linha que chama de “Fashionistas”. Quando a mudança é anunciada, a Mattel já povoou a Terra com uma superpopulação de suas criaturas loiras, altas e magras. E a cabeça das crianças com um modelo que vai muito além de um padrão de beleza. Barbie é aquela que ensina as meninas que se nasce para consumir. Já foram produzidas mais de 1 bilhão dessas replicantes, há mais Barbies no mundo do que europeus na Europa. Nenhuma delas é “apenas” uma boneca. Se a pressão dos protestos contra a Barbie e o crescente protagonismo das minorias na afirmação da diversidade conseguiu fazer as vendas do produto caírem a ponto de obrigar uma das maiores fabricantes de brinquedos a se mover, não é pequena essa conquista. Mas é também assustadoramente fascinante observar o capitalismo em ação.
A estratégia da Mattel, que parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo, defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé quando as pessoas são reduzidas a consumidores. Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças a sua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso, Barbie seria uma anoréxica.
O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo – e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máxima seja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.
Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver? A pergunta parece ter silenciado. Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada e autorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?
Texto adaptado. Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html> Acesso em: 17 maio 2016.
Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? – Por Eliane Brum
Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por décadas movimentos denunciaram a imposição de um único padrão de beleza. Mas só nos últimos anos, quando as vendas começaram a cair, a Mattel “sensibilizou-se” e reconheceu a multiplicidade das mulheres do mundo. Em 2015, a empresa já tinha iniciado a conversão da Barbie, lançando sua criação com novas tonalidades de pele, penteados e estruturas faciais, sem deixar de manter a “clássica”. Com a inclusão de novas formas, a boneca é lançada agora com sete tons de pele, quatro tipos de corpos, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos diferentes, na linha que chama de “Fashionistas”. Quando a mudança é anunciada, a Mattel já povoou a Terra com uma superpopulação de suas criaturas loiras, altas e magras. E a cabeça das crianças com um modelo que vai muito além de um padrão de beleza. Barbie é aquela que ensina as meninas que se nasce para consumir. Já foram produzidas mais de 1 bilhão dessas replicantes, há mais Barbies no mundo do que europeus na Europa. Nenhuma delas é “apenas” uma boneca. Se a pressão dos protestos contra a Barbie e o crescente protagonismo das minorias na afirmação da diversidade conseguiu fazer as vendas do produto caírem a ponto de obrigar uma das maiores fabricantes de brinquedos a se mover, não é pequena essa conquista. Mas é também assustadoramente fascinante observar o capitalismo em ação.
A estratégia da Mattel, que parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo, defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé quando as pessoas são reduzidas a consumidores. Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças a sua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso, Barbie seria uma anoréxica.
O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo – e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máxima seja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.
Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver? A pergunta parece ter silenciado. Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada e autorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?
Texto adaptado. Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html> Acesso em: 17 maio 2016.