Conversa de água quente
Discordar a boca pequena, antes de mostrar respeito,
pode esconder inveja. Discordar em público, antes de
parecer afronta, pode ser reverência. É neste sentido que
ouso ocupar este espaço para contrapor os conceitos
defendidos pela grande cronista Martha Medeiros em sua
recente coluna denominada “Mulher escrevendo
enquanto toma chá”. Em resumo (e resumos são sempre
perigosos), ela diz admirar os títulos simples e
meramente descritivos das telas de mestres da pintura
para justificar insegurança e preguiça no momento de
nomear suas próprias criações. Junto, relativiza a
importância daquelas poucas palavras que merecerão
destaque garrafal no texto – o oposto do que acontece nas
galerias. E se contradiz, em parte: reconhece a dúvida
(logo, o sofrimento) para escolher os títulos de seus livros.
No fundo, sabe que não pode ser tão relaxada quanto
deseja que acreditemos.
Aprendi a importância da sedução nos títulos em tempos
pretéritos, compondo “chamadas” publicitárias (por onde
também circulou a poeta Martha). Mais tarde, enquanto
preparava a terra a qual sustenta o que escrevo, o
professor Assis Brasil ensinou em oficina: títulos devem
conter promessas. O casamento deste par de conceitos,
sedução e promessa, é síntese prodigiosa. Há mil
maneiras de prometer e outras mil de seduzir – alguma
será mais eficaz. Sob medida. Para quê? Para convencer
até mesmo o sujeito mais distraído de que vale a pena
abrir o livro, assistir ao filme, ver a exposição.
Especialmente na crônica, títulos não miram o leitor
habitual: servem para tornar leitor quem está de
passagem. Abatê‐lo e carregar para dentro dos
parágrafos. Talvez (belo propósito!), fazê‐lo contumaz dali
em diante.
Bons títulos não salvam mau conteúdo e vice‐versa. O
ideal é estarem parelhos. Se investi muitas horas de
revisão e polimento no texto, vale a mesma regra para
compor o título. Por exemplo: “Meio intelectual, meio de
esquerda” é como se chama o ótimo livro do excelente
Antonio Prata. “Bar ruim é lindo, bicho” é o nome da
crônica da qual ele pescou a expressão levada à capa da
obra. Viram como a mesma matriz pode gerar um título
genial e outro meia‐boca? Pergunto: qual dos dois
recebeu olhar mais atento? Por fim, na condição de arte,
títulos devem trazer estranhamento, novidade. Luz. Ainda
falando em sedução e promessa, o que dizer do nome
deste livro: “Topless”? Nem preciso dizer quem é a
autora…
Martha conclui a crônica (outro momento crucial) dizendo
que, a partir daquele título simplório, o leitor pulou para
dentro do texto. Verdade. Sou prova viva. Porém, o fiz por
causa de outro destaque na página: o nome da colunista
– este sim construído com apreço e ao longo de muitos
anos. Registro aos jovens escritores: nada que se faça
com preguiça e insegurança.
Muito bem, respeitarei o ponto de vista de uma das mais
consagradas colunistas deste nosso tempo. Mas reitero
que discordo de maneira fervorosa. Bons títulos dão trabalho? Muito. Exigem do escritor? Ao extremo. Valem
o esforço? Sim! Isto é o que pensa, humildemente, este
“Homem escrevendo enquanto toma chimarrão”.
(Rubem Penz. Conversa de água quente. Adaptado.)