A CHEGADA
Vera, Sílvia e Emília foram as primeiras a
descer na rodoviária de Atibaia quando o ônibus
estacionou.
— Respirem fundo — manda Vera, e as
outras duas obedecem.
— Já sentiram a diferença do ar?
Sílvia inspira com sofreguidão, retém a
respiração por alguns segundos e depois libera o
ar dos pulmões. Sorri:
— Já! E que diferença! Nem parece que
estamos tão perto de São Paulo e de toda aquela poluição...
— É mesmo — concorda Emília. — Parece
que aqui o ar corresponde àquela descrição que
aparece nos livros de ciências...
— “Incolor e inodoro” — apressa-se em
completar Vera.
— Mas essas não são as qualidades da
água? — inquieta-se Sílvia.
— Eu lá quero saber? Estou de férias... —
graceja Vera.
As três sorriem.
Vera tem 21 anos, é estudante de Letras.
Sílvia, da mesma idade, estuda Psicologia. Emília, 19, está no primeiro ano de Pedagogia. As
três são professoras do curso primário no mesmo colégio de São Paulo.
— E agora, Vera? — pergunta Sílvia. —
Como fazemos para chegar na casa da sua tia?
— Pegamos um táxi — responde Vera. —
Mais exatamente o táxi do Ângelo, que deve
estar esperando a gente. Eu telefonei ontem
para ele combinando.
— Cidade pequena tem isso de legal —
comenta Sílvia — , a gente conhece até os motoristas de táxi pelo nome.
— Também — desdenha Emília —, devem
ser só três ou quatro em toda Atibaia.
— As duas estão erradas — corrige Vera.
— Não conheço todos os motoristas pelo nome,
e aqui tem muito mais do que três ou quatro,
dona Emília. O caso é que o Ângelo é uma pessoa especial, ele é filho da Eulália.
Sílvia e Emília não compreendem. Vera logo acrescenta:
— A Eulália mora com a minha tia Irene. É
a pessoa mais querida do universo inteiro! Eu
simplesmente amo ela...
— A “moela”, que eu saiba, é um órgão
das galinhas, meu bem... — diz Emília, sarcasticamente.
— Não enche, Emília, a gente “estamos”
de férias, “tá bão”? — graceja Sílvia.
— Não senhora! — protesta Emília. —
Temos um exemplo a dar. Uma professora deve
estar sempre alerta!
— Para mim isso é lema de escoteiro... —
diz Vera, sem perder o bom humor.
Neste momento, um grande carro branco
estaciona junto delas. O motorista, negro e jovem, sai e vem cumprimentar Vera. Ela o abraça
e beija, para espanto das amigas.
— Ângelo, estas aqui são duas colegas
minhas lá de São Paulo, a Sílvia e a Emília.
Ângelo sorri para elas e estende a mão:
— Muito prazer, eu sou o Ângelo — e
aperta com força a mão de cada uma delas.
— Vamos lá? A minha mãe está esperando vocês com um almoço daqueles que só ela
sabe fazer. Parece até uma festa de casamento!
Enquanto fala, Ângelo abre as portas do
carro para que as moças entrem. Recolhe as
maletas que elas haviam deixado no chão e as
guarda no porta-malas do carro.
A caminho da casa da tia de Vera, Sílvia e
Emília não param de falar.
(BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália: novela sociolinguistica, 17. ed., 3a
reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. p. 9, 10)