TEXTO 1
Brasil, país-planeta
Ultimamente, tenho pensado muito – não só com a cabeça, mas também com o coração – no papel planetário do Brasil. Isso pode
parecer estranho, quando se considera o ponto baixíssimo em que nos encontramos, dentro e fora de casa. Reconheço que é mesmo
estranho. Mas nosso país, leitor, tem que pensar grande. Estou exagerando? Não creio. Bem sei que toda vez que o Brasil procura se
comportar à altura da sua dimensão e do seu potencial, ergue-se, sinistro, o coro das vozes discordantes, céticas ou derrotistas.
Denuncia-se, muito mais dentro do que fora do país, não raro com agressividade, a suposta megalomania de projetos nacionais
brasileiros.
Ora, ora, francamente! Megalomania? Ao contrário! O brasileiro sofre de nanomania. Exatamente isto: nanomania, mania de ser
pequeno. O nosso problema nunca foi uma suposta mania de grandeza. Aliás, nem tem cabimento falar nisso. O Brasil é grande –
objetivamente falando. Nem precisamos, portanto, ter mania de ser o que já somos. O que nos falta, claro, é a dimensão subjetiva da
grandeza, a autoconfiança que transforma a grandeza objetiva, factual, em uma realidade completa.
Aponto, incansável e obsessivamente, para o óbvio ululante: o Brasil é um dos gigantes do mundo. Temos o quinto maior território, a
sexta maior população e a oitava economia do planeta. O Brasil faz parte de um grupo de apenas cinco países, junto com os Estados
Unidos, a China, a Índia e a Rússia, que integram as listas das dez maiores nações em termos de PIB, extensão geográfica e
habitantes. Esses dados de tão óbvios nem precisariam ser mencionados, muito menos insistentemente. É a nossa nanomania que
torna a insistência inescapável, ou pelo menos desculpável.
Eis o que eu realmente quero dizer: ao Brasil está reservado um destino planetário e, por isso, não podemos pensar apenas em nós
mesmos e nossos vizinhos próximos. Messiânico? Que seja. Mas tento explicar. Começo pelo quadro mundial. Há um vácuo
escandaloso no planeta. Nenhuma das principais potências, apesar dos seus méritos, consegue oferecer uma visão de mundo
convincente.
A Europa, por exemplo, é uma maravilha. Quanta cultura, história, beleza e variedade! E, no entanto, envelheceu. Não tem mais o
mesmo vigor, nem a mesma criatividade. Enquanto em países como o Brasil tudo está por se fazer, na Europa o peso do passado
esmaga as gerações presentes. Preconceituosa e fechada, a Europa sequer se interessa, realmente, pelo resto do mundo. Defensiva e
agarrada a suas conquistas e seus privilégios, pouco oferece, pouco inventa em benefício dos outros.
Os Estados Unidos são inegavelmente uma grande nação, que já deu e ainda dará muito para o desenvolvimento da civilização. Sem
ter cultura e história tão antigas e tão ricas quanto as da Europa, os americanos compartilham com os europeus valores, tradições,
princípios. E, também, alguns receios fundamentais. Temem o fim da hegemonia duramente conquistada no século XX. Lidam mal com
a perda gradual de expressão econômica e demográfica, em face da ascensão dos países de economia emergente, especialmente a
China.
E a China? Os chineses, assim como os europeus e americanos, têm qualidades – e não são poucas. São notáveis a sua disciplina, a
capacidade de trabalho, dedicação, o sentido de coletividade e o patriotismo. Os chineses se orgulham, com toda razão, do sucesso
estrondoso do país ao longo das mesmas quatro décadas em que grande parte do Ocidente empacou no atoleiro neoliberal. No
entanto, apesar de algumas iniciativas de impacto, notadamente a Rota da Seda, como ainda é estreita e pouco criativa a agenda
internacional da China!
Como fica então o nosso país nesse quadro internacional? Pois bem, prepare-se, querido leitor, para uma declaração bombástica: o
Brasil destina-se, por sua própria história e formação, a exercer um papel singular, a trazer uma mensagem de esperança,
generosidade e união para o planeta inteiro. São notórias as grandes qualidades do brasileiro em comparação com outros povos –
vivacidade, alegria, cordialidade, afetuosidade, doçura, criatividade, capacidade de inventar e improvisar, entre outras. Desde 2015, e
sobretudo desde 2019, fomos jogados na negação disso tudo. O brasileiro já nem se reconhece mais. Mas não é em alguns poucos
anos que se consegue destruir o espírito de um povo. E é justamente desse espírito que o planeta está precisando, urgentemente, para
fazer face a suas crises econômicas, sociais, climáticas e de saúde pública.
Nem preciso frisar que esse papel internacional do Brasil depende da retomada de um projeto nacional de desenvolvimento, que
começa com o resgate do próprio povo brasileiro, resgate que precisa ser consubstanciado na geração de empregos e oportunidades e
na luta contra a desigualdade, a pobreza e a injustiça dentro do País. Esse resgate tem que tomar a forma de uma verdadeira ofensiva,
um movimento em marcha forçada, concentrado no tempo e apoiado em nossas experiências bem-sucedidas na área social.
Mas o ponto que queria frisar hoje é que o nosso projeto nacional de desenvolvimento não poderá ser apenas nacional, estreito e
egoísta. Nacional, sim, mas não apenas nacional. Brasileiro, sim, mas não fechado e excludente. O projeto brasileiro haverá de ser
nacional e universal ao mesmo tempo. É o nosso destino.
A quem duvide disso tudo e queira desqualificar o que estou dizendo como mero delírio, utopia ou devaneio tenho apenas o seguinte a
dizer: o Brasil já mostrou, na prática, insisto, que tem condições de caminhar nessa direção. O Brasil fez muito mais no campo
internacional. Muitas das nossas iniciativas ainda não frutificaram ou ficaram pelo caminho depois que o Brasil mergulhou na sua crise
política e econômica. Estávamos apenas começando e cometemos, certamente, muitos erros. Mas ninguém estranhava que o Brasil
estivesse presente e atuante em quase todas as grandes questões internacionais. É o que se espera de um país-gigante como o
nosso.
Retomar o papel planetário do Brasil é retomar um projeto de gerações anteriores de brasileiros que souberam pensar grande. Entendo
perfeitamente que afirmações como as que fiz possam despertar desconfiança e ceticismo. Sofremos e estamos sofrendo muito, eu sei.
A destruição foi grande – e ela continua. Mas sobrevivemos e estamos nos preparando para dar a volta por cima. Em retrospecto,
nossos tormentos recentes e atuais serão lembrados, acredito, como a provação que tivemos que atravessar para nos preparar melhor
e de forma mais profunda para o papel planetário a que estamos destinados.
Paulo Nogueira Batista Jr. Disponível em: https://www.jb.com.br/pais/opiniao/artigos/2021/07/1031761-brasil-pais-planeta-ou-saudades-do-futuro.html.
Acesso em 03.jan.2022. Adaptado.