TEXTO 01
A violência de todos nós
A viralização de um vídeo postado nas redes sociais repercutiu de forma bombástica,
inicialmente chocando a opinião pública estrangeira. Como efeito, despertou as autoridades e a
população em geral por aqui. Tratava-se do estupro coletivo de uma menina carioca de 16 anos. O
episódio, brutal e revoltante – para usar apenas dois dos inúmeros e insuficientes adjetivos possíveis –,
reacendeu o tema do estupro de mulheres, praticado de forma endêmica e assustadoramente alta no
Brasil. De quando em quando, diante de algum novo episódio e de forma que poderíamos chamar
espasmódica, ressurge, para em seguida desaparecer (...) – tal qual a dengue ou a Zica, em tempos de
pico epidêmico.
Não foi diferente desta vez: a mídia, em todas as suas modalidades, vem incansavelmente
abordando o assunto. Grupos feministas, intelectuais, jornalistas, políticos, a polícia e a população em
geral, dentro e fora da mídia, vêm se pronunciando. Estamos em tempos de pico novamente. Entenda-se
aqui a falta de um real interesse em pensar, de forma consistente e permanente, políticas públicas
eficazes para promover a equidade entre os gêneros. Cada vez que há um novo episódio, o que se vê
são promessas de acirramento das leis, aliadas a medidas punitivas: sempre algo feito a posteriori,
como são os casos de polícia. Procura-se apurar os fatos, dá-se andamento a intermináveis processos,
eventualmente punem-se os culpados, até que apareçam novas vítimas e a roda volte a girar na mesma
vergonhosa direção. Não existem programas de caráter preventivo, duradouros, de longo e amplo
alcance para toda a população, especialmente voltados para as crianças e os jovens. A mudança de um
tipo de mentalidade e, consequentemente, de comportamento só é possível com um trabalho
permanente formulado e posto em prática com diversos setores de uma sociedade. A maneira como o
estupro e a violência contra as mulheres são tratados em nossa sociedade é reveladora da ideologia
subjacente: estupro é um tema que diz respeito exclusivamente às mulheres! Não é pensado como
assunto que nos implica a todos! Que nos agride eticamente como cidadãos e nos envergonha e ofende
como seres humanos.
(Revista Scientific American – mentecérebro. Ano XI, Nº 282, julho/16. Por Susana Muszkat – Psicanalista – p. 14)