TEXTO III
INIMIGOS
O apelido de Maria Teresa, para o Norberto, era
“Quequinha”. Depois do casamento, sempre que queria
contar para os outros uma de sua mulher, o Norberto
pegava sua mão, carinhosamente, e começava:
— Pois a Quequinha...
E a Quequinha, dengosa, protestava:
— Ora, Beto!
Com o passar do tempo, o Norberto deixou de
chamar a Maria Teresa de Quequinha. Se ela estivesse ao
seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia:
— A mulher aqui...
Ou, às vezes:
— Esta mulherzinha...
Mas nunca Quequinha.
(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos,
mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca em silêncio. O
tempo usa armas químicas.)
Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher
por “Ela”.
— Ela odeia o Charles Bronson.
— Ah, não gosto mesmo.
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda usava um vago gesto de mão
para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e
a apontar com o queixo.
— Essa aí...
E apontava com o queixo,
— Essa aí...
E apontava com o queixo, até curvando a boca
com um certo desdém.(O tempo, o tempo. O tempo captura o amor e não mata na hora. Vai tirando uma asa,
depois outra...)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na sua direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
— Aquilo...
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Novas comédias da vida privada.
Porto Alegre: L&PM,1996.p.70-71.