Texto I
Pegar o bonde andando
(Márcio Cotrim)
Expressão antiga. Literalmente, era tomar o veículo em movimento, com cuidado para não levar um espetacular tombo e perder uma perna na estripulia. Em linguagem figurada, significa “pegar uma conversa pela metade, entrar num assunto sem saber direito do que se trata”. Mas falemos
do bonde propriamente dito. Se você é jovem, não deve tê- lo conhecido. Então, é bom saber que, durante décadas, ele foi figurinha fácil na paisagem urbana das maiores cidades brasileiras.
O berço do vocábulo é curioso. O dinheiro que financiou os primeiros desses veículos que circularam entre nós no século 19 veio de um empréstimo negociado com a Grã-Bretanha. Para garanti-lo, foram emitidos bonds (“bônus”, “debêntures”, “títulos a receber”). Esses bonds, usados pelos passageiros, exibiam a figura do veículo. O nome pegou e o povo passou a chamar de “bonde”, não só o bilhete mas a própria viatura. Dessa palavra derivaram algumas expressões como “pegar o bonde andando” e “comprar um bonde” – adquirir produto sem valor. Uma curiosidade sobre o bonde: o que percorria, no Rio, uma linha suburbana em direção ao Real Engenho usava em sua tabuleta frontal a expressão abreviada “Real Eng”, ou seja, Realengo, que acabou virando nome de um populoso bairro carioca.
O bonde deixou saudade. Gente da terceira e até da quarta idade ainda se lembra da popular figura do “almofadinha”. Como os bancos dos bondes eram de madeira, sem muito conforto, esses sujeitos levavam almofadas onde se sentavam durante a viagem e, vento no rosto, iam cultivando seus sonhos. Enquanto isso, o trocador, pendurado no estribo, ia cobrando a passagem, que os mais gozadores assim imitavam: “Din din din din, dois pra Light e um pra mim” (Light era a concessionária do serviço...) , e um cartaz colado perto dos balaústres dizia, com espírito, os versos do poeta Bastos Tigre:
“Veja ilustre passageiro/ o belo tipo faceiro/ que você tem a seu lado/ no entanto, acredite, quase morreu de bronquite/ salvou-o o Rhum Creosotado”.
Embora o foco do texto seja apresentar uma pesquisa sobre expressões da Língua, percebe-se que, em alguns momentos, há a presença subjetiva do seu autor. Assinale a opção que confirma essa afirmação.