O paradoxo de Polanyi impede
a inteligência artificial?
Marcelo Viana*
Em Djursholm, subúrbio elegante da cidade de Estocolmo, fica a sede do Instituto Mittag-Leffler. O palacete foi construído na década de 1890 pelo matemático sueco Gösta Mittag-Leffler (1846–1927), cujo
casamento com a rica herdeira Signe af Lindfors dotara-o com os meios necessários para se permitir e a
sua família uma residência refinada.
Em 1916, o casal doou a propriedade, incluindo sua
excelente biblioteca, à Academia de Ciências da Suécia, para que nela fosse constituído um instituto de
matemática. A doação incluía uma boa quantia em
dinheiro, mas essa se desvalorizou durante a 1ª Guerra Mundial, o que inviabilizou o projeto. O instituto
só viria a ser criado em 1969, tornando-se um polo
de atração para matemáticos do mundo todo.
No térreo do instituto, há uma sólida lareira em granito cinza-chumbo. Gravada na pedra, uma inscrição
em escrita antiga que um amigo sueco decifrou para
mim com alguma dificuldade: "A mente não alcança além da palavra". Uma forma elegante de afirmar
que aquilo que não conseguimos explicar aos demais
não sabemos realmente.
É uma ideia importante para alguém que, como eu,
treina estudantes para descobrir, compreender e comunicar ideias matemáticas. Por isso, repito a frase
de Mittag-Leffler com frequência a meus alunos. Maneira de dizer que, se a sua tese não está bem escrita, é porque você não entendeu o assunto direito ou
ainda não o dominou.
Mas nem todo mundo concorda. No livro "Dimensão
Tácita", publicado em 1966, o filósofo britânico de
origem húngara Michael Polanyi (1891–1976) apontou que o conhecimento humano do mundo e de nós
mesmos está, em grande medida, além da nossa capacidade de expressão. "Sabemos mais do que conseguimos dizer", afirmou.
Saber dirigir é muito mais do que seguir as instruções
básicas (soltar freio de mão etc.) que todo cidadão
recebe do instrutor de autoescola: se não fosse assim, bastaria escutar. Mas esse muito mais, que adquirimos fazendo, não somos capazes de descrever.
Reconhecer um rosto, jogar xadrez, falar uma língua
estrangeira são outros exemplos de coisas que sabemos fazer, mas somos incapazes de expressar como
fazemos. Na época, o "paradoxo de Polanyi" foi visto
como um golpe profundo na ideia de inteligência artificial.
Isso constituiria um obstáculo sério à ideia de inteligência artificial. Programas de computador consistem, assim se pensava na época, de um conjunto de
instruções que descrevem de modo completo e preciso o que deve ser feito. Se não sabemos explicar
como reconhecemos uma face ou escolhemos uma
jogada no xadrez, como podemos escrever os códigos explicando a um computador como executar essas tarefas? __________ superioridades intrínsecas
da inteligência humana sobre a inteligência artificial:
a sua capacidade de fazer coisas que não consegue
descrever.
No entanto essas são algumas das muitas tarefas em
que a inteligência artificial tem feito progressos espetaculares nos últimos anos, a partir do advento dos
métodos de aprendizagem de máquina. Descobrimos
como computadores podem aprender a realizar tarefas complexas com base em exemplos, em dados
reais, sem que tenhamos que explicitar exatamente
o que devem fazer.
* Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do
Prêmio Louis D., do Institut de France.
Folha de São Paulo, 23 ago. 2022. (Adaptado).