A literatura e o leitor
De início, cabe uma pergunta: quem é esse leitor? Se,
num primeiro momento, pode nos parecer difícil defini-lo, num
segundo momento, como professores com um olhar um pouco
crítico e sensível, podemos perfeitamente dizer quem são eles.
Na verdade, o que a sociedade, de um modo geral, e a academia,
de modo especial, nos cobram é a formação de um indivíduo que lê textos escritos, referentemente livros.
Chegamos assim a uma equação simples: para termos
como resultado leitura, devemos somar livro + leitor. Mas afinal
que livro é esse? Que objeto de adoração é esse, tão distante
do leitor comum? O livro, indicado invariavelmente como objeto
de cultura por excelência, considerado como a leitura verdadeira,
não centraliza o universo cultural da população brasileira.
Essa, em geral, admira e respeita quem lê e até se considera em
desvantagem por não ser leitora.
A leitura está associada a textos, especialmente livros,
objetos de pouco convívio doméstico, pessoal, mas sempre valorizados.
Os didáticos são vistos como livros da escola e não
dos leitores. Aqui surge a primeira divisão de águas: certas leituras
são para a escola, não para si próprios. No entanto, esse
mesmo leitor, se consultado, poderá surpreender-se ao perceber
que gostou de uma leitura indicada pela professora. Apesar disso,
a leitura não chega a tornar-se hábito. Estaremos, então, formando
um leitor escolar, que, distante do espaço escolar, esquece
o prazer da leitura?
Para muitos, a leitura de livros de literatura é muito difícil,
monótona, demorada, enquanto os jornais e as revistas são
de leitura rápida e, por isso, agradável. É comum que os adolescentes
– ou pré-adolescentes – refiram-se à sensação de perda
de tempo relacionada com o fato de ficarem lendo enquanto as
coisas acontecem. Para eles, ler livros não é nenhum acontecimento.
É no mínimo curioso que a ênfase na carência de leitura
feita por educadores e intelectuais também ocorra entre os ditos
não leitores. Parece que ninguém – nem a escola nem a sociedade
– percebe a ligação existente entre o que é
vivenciado/lido dentro e fora da escola, e o que ela e eles mesmos
consideram como leitura. Especialmente tratando-se da interação
tão intensa e difundida da linguagem verbal com a visual.
O visual e a oralidade, predominante nas práticas não
institucionalizadas, são tidos e identificados como não leituras.
Menosprezados por seus próprios leitores e ignorados pelos letrados,
no entanto, são as leituras mais frequentemente realizadas pela maioria da população. Por outro lado, a literatura infantil
resgatou com extrema sabedoria essa conjunção, tornando
a ilustração peça fundamental para a leitura, integrando texto e
imagem. [...] O texto incorpora a ilustração que, por sua vez,
faz o status de linguagem, de texto, de narrativa. E é graças à
incorporação de elementos visuais e de linguagem que a literatura
infantil tem conquistado o seu leitor, habituado que está a
ler o mundo que o cerca.
MARCHI, Diana Maria. A literatura e o leitor. In: NEVES, Iara Conceição Bitencourt
et al. (Orgs). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2004. p. 159-160. (Adaptado).