O SONHO DOS RATOS
Ruben Alves
Era uma vez um bando de ratos que vivia
no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia
ratos de todos os tipos: grandes e pequenos,
pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e
fracos, da roça e da cidade.
Mas ninguém ligava para as diferenças,
porque todos estavam irmanados em torno de
um sonho comum: um queijo enorme, amarelo,
cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer
o queijo seria a suprema felicidade… Bem
pertinho é modo de dizer
Na verdade, o queijo estava imensamente
longe porque entre ele e os ratos estava um
gato… O gato era malvado, tinha dentes afiados
e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se
aventurasse para fora do buraco para que o gato
desse um pulo e, era uma vez um ratinho… Os
ratos odiavam o gato.
Quanto mais o odiavam mais irmãos se
sentiam. O ódio a um inimigo comum os
tornava cúmplices de um mesmo desejo:
queriam que o gato morresse ou sonhavam com
um cachorro…
Como nada pudessem fazer, reuniram-se
para conversar. Faziam discursos, denunciavam
o comportamento do gato (não se sabe bem para
quem), e chegaram mesmo a escrever livros
com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que
um dia chegaria em que os gatos seriam
abolidos e todos seriam iguais. “Quando se
estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os
camundongos, “então todos serão felizes”…
– O queijo é grande o bastante para todos,
dizia um.
– Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as
mesmas canções.
Era comovente ver tanta fraternidade.
Como seria bonito quando o gato morresse!
Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E
quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque
esta é uma das propriedades dos queijos
sonhados: não diminuem: crescem sempre. E
marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:
“o queijo, já!”…
Sem que ninguém pudesse explicar como,
o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o
gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais
belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos
passos para fora do buraco. Olharam
cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um
truque do gato. Mas não era.
O gato havia desaparecido mesmo.
Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um
brado retumbante de alegria. Todos se lançaram
ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi
então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira mordida.
Compreenderam, repentinamente, que os
queijos de verdade são diferentes dos queijos
sonhados. Quando comidos, em vez de crescer,
diminuem.
Assim, quanto maior o número dos ratos a
comer o queijo, menor o naco para cada um. Os
ratos começaram a olhar uns para os outros
como se fossem inimigos. Olharam, cada um
para a boca dos outros, para ver quanto queijo
haviam comido. E os olhares se enfureceram.
Arreganharam os dentes. Esqueceram-se
do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga
começou. Os mais fortes expulsaram os mais
fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a
brigar entre si.
Alguns ameaçaram a chamar o gato,
alegando que só assim se restabeleceria a
ordem. O projeto de socialização do queijo foi
aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser
tomado dos seus proprietários para ser dado aos
ratos magros, desde que este pedaço tenha sido
abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou
um queijo, os ratos magros foram condenados a
ficar esperando. Os ratinhos magros, de dentro
do buraco escuro, não podiam compreender o
que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação
que se operara no focinho dos ratos fortes, agora
donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o
olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros nem mais conseguiam
perceber a diferença entre o gato de antes e os
ratos de agora. E compreenderam, então, que
não havia diferença alguma. Pois todo rato que
fica dono do queijo vira gato. Não é por
acidente que os nomes são tão parecidos.
“Qualquer semelhança com fatos reais é
mera coincidência!”