Leis da natureza, leis dos homens
As leis gerais da natureza, até onde sabemos, são imutáveis e irrecorríveis, capitaneadas todas por sua Lei maior, a que faz
nascer, viver e morrer. Parte da natureza, os homens – não se sabe se por mérito próprio ou por mais um atendimento às
determinações naturais – destacaram-se dos demais viventes por desenvolver atributos e habilidades que lhes permitiram associar
experiências, produzir conhecimento, desenvolver e articular linguagens. Seres de natureza sociável, logo sentiram a necessidade de
estipular princípios de comportamento que tornassem a vida de todos mais protegida e mais colaborativa. Nasceram assim os
rudimentos de uma legislação primitiva, transmitida nos gestos da tradição e nos valores passados de boca em boca. Com a escrita,
esses dispositivos fixaram-se, formalizaram-se em códigos, criados e administrados por especialistas e referendados pelo poder
constituído.
Ao contrário do que ocorre com as leis naturais, as humanas não são nem imutáveis nem irrecorríveis. Elas estão
permanentemente convocadas para responder ao envelhecimento e ao nascimento dos valores sociais, e abrem espaço para que
sejam interpretadas em meio a demandas e conflitos. É missão das leis assegurarem aos homens princípios de civilidade, em
distribuição justa e equilibrada dos direitos e deveres. É missão dos legisladores – seja no âmbito influente dos estudiosos do Direito
doutrinário, seja no âmbito decisivo dos parlamentares das diferentes casas legislativas – constituírem a melhor formalização
possível das leis que venham a reger os interesses essenciais de uma comunidade. A expressão “democrática distribuição da justiça”
é o princípio regente, sem o qual ficam os homens abandonados a algum poder discricionário, quando não tirânico e ditatorial. Sem as
leis humanas, vigorariam os princípios básicos – segundo alguns, “bárbaros” – dos instintos naturais. Sabemos que a barbárie jamais
foi de todo afastada da História, mas sempre podemos perguntar o que seria de nós sem a busca e determinação dos princípios que
vão garantindo, de qualquer modo, a escalada da civilização.
(MOURINHO, Geraldo Tomé, inédito)