TEXTO I
Barragens de hidrelétricas, como a de Belo Monte,
transformam Amazônia em zona de sacrifício
A exuberância da maior bacia hidrográfica do planeta está
ameaçada por projetos de geração de energia que têm
custos humanos e ambientais demasiadamente altos
Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia contempla
também a maior bacia hidrográfica do planeta, cujo rio
principal ― o Amazonas ― é alimentado por afluentes
que ramificam em mais de 1.100 rios e formam um
sistema de drenagem sem igual. Cerca de um quinto de
toda a água que escorre da superfície da Terra acaba
nele. No entanto, toda essa exuberância ― responsável
por fornecer importantes serviços ecossistêmicos para
a humanidade ― está ameaçada. Como os fluxos de
água podem gerar muita eletricidade, a bacia do rio
Amazonas tem despertado, há muito tempo, o interesse
de governos, especuladores e indústrias para a geração
de energia hidrelétrica por meio de barragens. De
acordo com um estudo publicado em 2019 pela revista
Nature Communications, pelo menos 158 barragens,
incluindo pequenas barragens, operavam ou estavam
em construção na bacia amazônica, e outras 351 haviam
sido propostas.
Um dos exemplos mais notáveis é o da barragem de
Belo Monte, quarto maior projeto hidrelétrico do mundo.
A obra foi responsável pelo bloqueio do rio Xingu, um
importante afluente do Amazonas. Seu reservatório
inundou 518 quilômetros quadrados, deslocou mais
de 20.000 pessoas e causou danos extensos a um
ecossistema de rio que contém mais de 500 espécies
de peixes, muitos deles não encontrados em nenhum
outro lugar e dos quais dependem populações indígenas
locais. Para completar, o ciclo sazonal natural do rio Xingu
inclui um longo período de baixa vazão que impede Belo
Monte de usar muitas de suas caras turbinas durante
grande parte do ano.
Outro caso é o projeto Barão do Rio Branco, plano de
infraestrutura na região amazônica que prevê, entre
outras obras, a construção de uma hidrelétrica de 2.000
a 3.000 megawatts no rio Trombetas, que flui por uma
região isolada e rica em minerais.Abarragem necessária
para essa hidrelétrica poderá inundar terras quilombolas
e ameaçar uma das maiores praias da Amazônia, usada
para a reprodução de tartarugas.
[...]
Quando ecossistemas fluviais são transformados em
reservatórios, eles prejudicam a diversidade aquática.
Barragens podem, por exemplo, bloquear as migrações
anuais de peixes, como a do bagre gigante do rio
Madeira. Depois que o Brasil construiu barragens no rio
Madeira em 2011 e em 2013, a captura de peixes naquela
que foi a segunda maior região para a pesca fluvial do
mundo despencou no Brasil, Bolívia e Peru. Milhares
de pessoas perderam seus meios de subsistência de
pesca, e o declínio acentuado desta atividade também
gerou tensões sociais que persistem até hoje na região.
As barragens também aprisionam sedimentos ricos em
nutrientes, que sem elas seriam transportados pelo curso
d’água. A perda de nutrientes prejudica a agricultura e
afeta a cadeia alimentar da qual dependem os peixes rio
abaixo, comprometendo a pesca ao longo de milhares
de quilômetros de rios amazônicos.
E não para por aí: como no fundo dos reservatórios
quase não há oxigênio, o mercúrio que ocorre no solo,
tanto naturalmente como com acréscimos pela atividade
garimpeira, pode sofrer uma reação química e ser
transformado em metilmercúrio ― altamente venenoso.
Altos níveis deste componente foram encontrados nos
cabelos de pessoas que vivem no entorno da barragem
de Tucuruí, no Pará, e de Balbina, no Amazonas.
É preciso ter consciência de que os rios de fluxo livre da
Amazônia são a força vital de suas florestas e dos povos
indígenas que dependem deles há séculos. Tratar a
Amazônia como uma zona de sacrifício para a extração
de recursos naturais é injusto e desnecessário. Os custos
humanos e ambientais são demasiadamente altos.
Disponível em: <https://bityli.com/wYc7G.
Acesso em: 20 fev. 2021 (Adaptação).