Domingo pede cachimbo, todo domingo aquele esquema: praia, bar, soneca, futebol, jantar em restaurante. Acaba em
chatura. Os quatro jovens executivos sonhavam com um programa diferente.
– Se a gente desse uma de pescador?
– Falou.
Muniram-se do necessário, desde o caniço até o sanduíche incrementado, e saíram rumo à praia mais deserta, mais piscosa,
mais sensacional. Lá estavam felizes da vida, à espera de peixe. Mas os peixes, talvez por ser domingo, e todos os domingos serem
iguais, também tinham variado de programa – e não se deixavam fisgar.
– Tem importância não. Daqui a pouco aparecem. De qualquer modo, estamos curtindo.
– É.
Peixe não vinha. Veio pela estrada foi a Kombi, lentamente. Parou, saltaram uns barbudos:
– Pescando, hem? Beleza de lugar. Fazem muito bem aproveitando a folga num programa legal. Saúde. Esporte. Alegria.
– Estamos só arejando a cuca, né? Semana inteira no escritório, lidando com problemas.
– Ótimo. Assim é que todos deviam fazer. Trocar a poluição pela natureza, a vida ao ar livre. Somos da televisão, estamos
filmando aspectos do domingo carioca. Podem colaborar?
– Que programa é esse?
– Aprenda a Viver no Rio. Programa novo, cheio de bossas. Vai ser lançado semana que vem. Gostaríamos que vocês
fossem filmados como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer, em benefício do corpo e da mente.
– Pois não. O grilo é que não pescamos nada ainda.
– Não seja por isso. Tem peixe na Kombi, que a gente comprou para uma caldeirada logo mais.
Desceram os aparelhos e os peixes, e tudo foi feito com técnica e verossimilhança, na manhã cristalina. Os quatro retiravam
do mar, em ritual de pescadores experientes, os peixes já pescados. O pessoal da TV ficou radiante:
– Um barato. Vocês estavam ótimos.
– Quando é que passa o programa?
– Quinta-feira, horário nobre. Já está sendo anunciado.
Quinta-feira, os quatro e suas jovens mulheres e seus encantadores filhos reuniram-se no apartamento de um deles – o
que tivera a ideia da pescaria.
– Vocês vão ver os maiores pescadores da paróquia em plena ação.
O programa, badaladíssimo, começou. Eram cenas do despertar e da manhã carioca, trens superlotados da Linha Auxiliar,
filas no elevador, escritórios em atividade, balconistas, telefonistas, enfermeiras, bancários, tudo no batente ou correndo para.
O apresentador fez uma pausa, mudou de tom:
“– Agora, o contraste. Em pleno dia de trabalho, com a cidade funcionando a mil por cento para produzir riqueza e
desenvolvimento, os inocentes do Leblon dedicam-se à pescaria sem finalidade. Aí estão esses quatro folgados, esquecidos de
que a Guanabara enfrenta problemas seríssimos e cada hora desperdiçada reduz o produto nacional bruto…”
– Canalhas!
– Pai, você é um barato!
– E eu que não sabia que você, em vez de ir para o escritório, vai pescar com a patota, Roberto!
– Se eu pego aqueles safados mato eles.
– E o peixe, pai, você não trouxe o peixe pra casa!
– Não admito gozação!
– Que é que vão dizer amanhã no escritório!
– Desliga! Desliga logo essa porcaria!
Para aliviar a tensão, serviu-se uísque aos adultos, refrigerante aos garotos.
(DE ANDRADE, Carlos Drummond. 70 historinhas: antologia. Livraria J. Olympio Editora, 1978.)