Texto CG1A1-I
Responsabilidade fiscal combina com responsabilidade
social?
Quando analistas do mercado financeiro e economistas
ditos “ortodoxos” referem-se à necessidade de haver
responsabilidade fiscal, parece, à primeira vista, que estão se
referindo à necessidade de o Estado não realizar gastos (ou abrir
mão de receitas públicas) de modo descontrolado, eleitoreiro e
ineficiente, aumentando aceleradamente a dívida pública (em
proporção do PIB) sem um planejamento econômico-orçamentário de médio e longo prazo. Se fosse somente isso, se
fossem somente essas as suas preocupações, não haveria muita
polêmica, visto que os políticos e os economistas que questionam
a visão do mercado financeiro também concordam com esses
parâmetros para qualificar a responsabilidade fiscal.
O problema está em alguns diagnósticos e causalidades
evocados pelos economistas porta-vozes do mercado financeiro,
que podemos sintetizar em duas ideias centrais.
A primeira ideia central é a de que a economia brasileira
apresentaria historicamente um sério “risco fiscal”, suficiente
para tirar o sono daqueles que compram títulos da dívida pública.
Exatamente por esse grave risco fiscal, argumenta o economista
ortodoxo, é que haveria a necessidade de o Banco Central manter
a taxa de juros reais nas alturas, colocando o Brasil quase sempre
na posição de país com a maior taxa de juros reais no mundo. Os
maiores juros reais do mundo seriam uma espécie de prêmio
exigido de modo justo e justificado pelos “investidores” que
emprestam seus recursos ao governo: maior risco, maior
incerteza, maior prêmio — uma simples e sadia “lei do
mercado”.
A segunda ideia central é a de que a inflação decorreria de
um excesso de demanda na economia. Não adianta apresentar
dados objetivos indicando que, em muitos casos, a inflação é
gerada por choques de oferta que nada têm a ver com excesso de
demanda. A partir desse diagnóstico imutável (e imune aos fatos)
de que a inflação — ou o risco de inflação — seria sempre um
problema de excesso de demanda, os porta-vozes do mercado
estão sempre cobrando do governo que colabore para a redução
da demanda e modere seus gastos (exceto o gasto com os juros da
dívida pública), e estão sempre cobrando do Banco Central que
aumente a taxa básica de juros diante de qualquer tipo de sinal de
pressão inflacionária, pois o aumento dos juros causa refluxo da
demanda — demissões, queda nos investimentos — e esse
refluxo da demanda combateria eficazmente a inflação.
Podemos agora formular com precisão: o mercado
financeiro não vê antagonismo entre responsabilidade fiscal e
responsabilidade social porque, em sua visão, a primeira é
sempre uma pré-condição para a segunda. Como o mercado
financeiro sempre vê um risco fiscal significativo na economia
brasileira, nunca estará satisfeito com o nível de responsabilidade
fiscal demonstrado pelo governo, nunca achará que já estamos
em condições de avançar com segurança nas tarefas sociais e
sempre tachará de “populista” ou “demagógica” qualquer
alternativa que signifique abandonar esse beco sem saída ao qual
o país foi condenado nas últimas décadas.
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