Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento
do invasor português com índios silvícolas e campineiros
e com negros africanos, uns e outros aliciados como
escravos. Nessa confluência, que se dá sob a regência dos
portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais
distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se
fundem para dar lugar a um povo novo. Novo porque surge
como uma etnia nacional, que se vê a si mesma e é
vista como uma gente nova, diferenciada culturalmente de
suas matrizes formadoras. Velho, porém, porque se viabiliza
como um proletariado externo, como um implante
ultramarino da expansão europeia que não existe para si
mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício
da função de provedor colonial de bens para o mercado
mundial, através do desgaste da população. Sua unidade
étnica básica não significa, porém, nenhuma uniformidade,
mesmo porque atuaram sobre ela forças diversificadoras:
a ecológica, a econômica e a migração. Por essas vias se
plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser
dos brasileiros: os sertanejos, os caboclos, os crioulos, os
caipiras e os gaúchos. Todos eles muito mais marcados
pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças
devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou
de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia
própria a uma ou outra parcela da população.
(Darcy Ribeiro. O povo brasileiro, 1995. Adaptado.)