TEXTO 1
Maria
Maria estava parada há mais de meia hora no ponto do ônibus. Estava cansada de esperar. Se a distância fosse menor,
teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a caminhada. O preço da passagem estava aumentando tanto! Além
do cansaço, a sacola estava pesada. No dia anterior, no domingo, havia tido festa na casa da patroa. Ela levava para casa os
restos. (...)
O ônibus não estava cheio, havia lugares. (...) Ao entrar, um homem levantou lá de trás, do último banco, fazendo um
sinal para o trocador. Passou em silêncio, pagando a passagem dele e de Maria. Ela reconheceu o homem. Quanto tempo, que
saudades! Como era difícil continuar a vida sem ele. (...) Por que não podia ser de uma outra forma? Por que não podiam ser
felizes? E o menino, Maria? Como vai o menino? cochichou o homem. Sabe que sinto falta de vocês? (...)
Ela, ainda sem ouvir direito, adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E, logo após, levantou rápido
sacando a arma. Outro lá atrás gritou que era um assalto. Maria estava com muito medo. Não dos assaltantes. Não da morte. Sim da vida. Tinha três filhos. O mais velho, com onze anos, era filho daquele homem que estava ali na frente com uma arma na
mão. (...)
Os assaltantes desceram rápido. Maria olhou saudosa e desesperada para o primeiro. Foi quando uma voz acordou a
coragem dos demais. Alguém gritou que aquela puta safada lá da frente conhecia os assaltantes. Maria se assustou. Ela não
conhecia assaltante algum. Conhecia o pai de seu primeiro filho. Conhecia o homem que tinha sido dela e que ela ainda amava
tanto. Ouviu uma voz: Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois. (...)
— Calma pessoal! Que loucura é esta? Eu conheço esta mulher de vista. Todos os dias, mais ou menos neste horário, ela
toma o ônibus comigo. Está vindo do trabalho, da luta para sustentar os filhos...
Lincha! Lincha! Lincha! Maria punha sangue pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos. (...)
Tudo foi tão rápido, tão breve, Maria tinha saudades de seu ex-homem. (...) Quando o ônibus esvaziou, quando chegou a
polícia, o corpo da mulher estava todo dilacerado, todo pisoteado.
Maria queria tanto dizer ao filho que o pai havia mandado um abraço, um beijo, um carinho.
EVARISTO, Conceição. Maria. In: Olhos D’Água. Rio de Janeiro: Pallas e Fundação Biblioteca Nacional. 2016. p. 39-42. [Adaptado].