Instrução: Leia o texto para responder à questão.
Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o
assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro,
por causa de um lenço, – um simples lenço! – e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes,
pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a
acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia
deste mundo. Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há, e valem só as camisas.
Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e
turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava
a sua calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira; não
queria expor-me a encontrar algum conhecido. As senhoras
ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam
fumar. Então eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e
vinham outras incoerências, até que o pano subia e continuava
a peça. O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia
morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu
entre aplausos frenéticos do público.
(Machado de Assis, Dom Casmurro.)