Questões de Vestibular de Português - Coesão e coerência
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Leia o texto para responder a questão.
A disciplina militar, com todos os seus excessos, não se comparava ao penoso trabalho da fazenda, ao regímen terrível do tronco e do chicote. Havia muita diferença... Ali ao menos, na fortaleza, ele tinha sua maca, seu travesseiro, sua roupa limpa, e comia bem, a fartar, como qualquer pessoa, hoje boa carne cozida, amanhã suculenta feijoada, e, às sextas-feiras, um bacalhauzinho com pimenta e “sangue de Cristo”... Para que vida melhor? Depois, a liberdade, minha gente, só a liberdade valia por tudo! Ali não se olhava a cor ou a raça do marinheiro: todos eram iguais, tinham as mesmas regalias – o mesmo serviço, a mesma folga. – “E quando a gente se faz estimar pelos superiores, quando não se tem inimigos, então é um viver abençoado esse: ninguém pensa no dia d’amanhã!”
Amaro soube ganhar logo a afeição dos oficiais. Não podiam eles, a princípio, conter o riso diante daquela figura de recruta alheio às praxes militares, rude como um selvagem, provocando a cada passo gargalhadas irresistíveis com seus modos ingênuos de tabaréu; mas, no fim de alguns meses, todos eram de parecer que “o negro dava para gente”. Amaro já sabia manejar uma espingarda segundo as regras do ofício, e não era lá nenhum botocudo em artilharia; criara fama de “patesca”.
Nunca, durante esse primeiro ano de aprendizagem, merecera a pena de um castigo disciplinar: seu caráter era tão meigo que os próprios oficiais começaram a tratá-lo por Bom-Crioulo.
(Adolfo Caminha, Bom-Crioulo)
Vocabulário:
• Tabaréu: soldado inexperiente, ingênuo
• Botocudo: rude, de modos simples
• Patesca: marinheiro que vive à bordo, é eficiente e tem grande amor
à profissão
Considere as passagens:
• Não podiam eles, a princípio, conter o riso diante daquela figura de recruta alheio às praxes militares... (2o parágrafo);
• Nunca, durante esse primeiro ano de aprendizagem, merecera a pena de um castigo disciplinar... (3o parágrafo).
Analisando as passagens, conclui-se que elas remetem, correta
e respectivamente, aos sentidos:
A referenciação textual pode ser definida como a retomada de termos e ideias que garantem a coesão e a progressão de sentido do texto por meio de elementos linguísticos. Um exemplo desse procedimento, ao longo da crônica de Lima Barreto, se dá com o uso do termo “cartomantes”, que é retomado por alguns referentes textuais, estabelecendo diferentes sentidos com estes referentes. Atente ao que se diz a seguir a respeito disso:
I. Ao substituir “cartomantes” pelo termo “pitonisas” (linha 05), o autor pretende mostrar que o trabalho da cartomancia tem uma longa tradição histórica.
II. Ao afirmar, no terceiro parágrafo, que não tem “nenhuma ojeriza pelas adivinhas” (linhas 06-07), o autor recupera cartomantes pelo termo adivinhas, justificando que a prática de adivinhar o futuro cumpre sua função útil e necessária no cotidiano das pessoas, que é a função de iludir.
III. Ao se referir às “cartomantes” pela expressão “dessa gente que lida com o destino” (linhas 11-12), o autor se apresenta numa relação afetuosa de muita proximidade com as cartomantes.
IV. Ao empregar o referente “duas sacerdotisas do invisível” (linhas 21-22) para fazer alusão às “duas senhoras” (cartomantes) (linha 17), o autor procura salientar, ironicamente, a dimensão religiosa do ofício profético da cartomancia.
Está correto o que se afirma em
A crise final da escravidão, no Brasil, deu lugar ao aparecimento de um modelo novo de resistência, a que podemos chamar quilombo abolicionista. No modelo tradicional de resistência à escravidão, o quilombo-rompimento, a tendência dominante era a política do esconderijo e do segredo de guerra. Por isso, esforçavam-se os quilombolas exatamente para proteger seu dia a dia, sua organização interna e suas lideranças de todo tipo de inimigo, curioso ou forasteiro, inclusive, depois, os historiadores.
Já no modelo novo de resistência, o quilombo abolicionista, as lideranças são muito bem conhecidas, cidadãos prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente, muito bem articulados politicamente. Não mais os grandes guerreiros do modelo anterior, mas um tipo novo de liderança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente. Sabemos hoje que a existência de um quilombo inteiramente isolado foi coisa rara. Mas, no caso dos quilombos abolicionistas, os contatos com a sociedade são tantos e tão essenciais que o quilombo encontra-se já internalizado, parte do jogo político da sociedade mais ampla.
(Quilombo abolicionista – cap. 1; p. 11. SILVA, Eduardo: As Camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de história cultural. SP: Cia das Letras, 2003.)