O que pode ser considerado o maior avanço dos últimos anos
em relação à situação dos fósseis irregulares ocorreu após a descrição de um novo dinossauro procedente da bacia do Araripe, que
havia recebido o nome de Ubirajara. Devido a questões éticas e
legais, a revista Cretaceous Research, onde a nova espécie havia
sido descrita por pesquisadores estrangeiros, retirou o trabalho de
publicação, depois de uma análise criteriosa. Contribuiu para essa
atitude da revista a enorme pressão de paleontólogos brasileiros e
do público em geral, a partir das redes sociais (#UbirajarabelongstoBrazil), e a ação firme da Sociedade Brasileira de Paleontologia.
Esse fato, até então inédito, fez com que diversas revistas científicas passassem a se preocupar com os aspectos legais dos fósseis
brasileiros antes de aprovarem publicações sobre eles. O mesmo
ocorreu com pesquisadores do exterior, que passaram a se preocupar com sua própria reputação.
Após o caso do Ubirajara, dois novos episódios de repatriação
acabaram ocorrendo, ambos com material da bacia do Araripe.
O primeiro foi o da aranha Cretapalpus vittari, descrita em homenagem à cantora Pablo Vittar. Os pesquisadores envolvidos
na descrição, quando alertados, não apenas devolveram o fóssil,
como também 35 outros exemplares que estavam em uma instituição nos Estados Unidos. O segundo episódio envolveu um crânio
do pterossauro Tupandactylus imperator, cuja descrição foi apenas
aceita por uma revista após a devolução do exemplar ao Brasil.
Iniciativas como essas enchem de esperança os que estão no front
da luta para que peças importantes sejam devolvidas ao país.
Para certos pesquisadores, os fósseis devem ser considerados
bens minerais e, dessa forma, poderiam ser minerados e comercializados. Há também alguns poucos que defendem que fósseis que
estejam fora do país, mesmo que ’exportados’ ilegalmente, contribuem para a divulgação de sua região de origem, podendo gerar
alguma vantagem econômica, como fomento do turismo local. Há
ainda aqueles que defendem a inclusão obrigatória de pesquisadores brasileiros nos estudos de fósseis do Brasil depositados no
exterior. Essa, no entanto, é uma ideia para lá de controversa, pois
coloca as parcerias científicas como moeda de troca para ’regularizar’ fósseis. A meu ver, tais posições são equivocadas e caminham
na contramão das iniciativas para a recuperação de material importante fora do país. Felizmente, não representam a maioria dos
paleontólogos brasileiros.
Apesar das grandes dificuldades pelas quais passa a ciência
brasileira, fato é que, ao longo de décadas, o Brasil tem investido
na formação de recursos humanos para a pesquisa paleontológica,
com inúmeras bolsas de pós-graduação, recursos para projetos e
abertura de vagas em centros de pesquisa, particularmente nas universidades federais. Claro que ainda há muito por fazer, sobretudo
em termos de obtenção de investimentos expressivos para atividades de campo, como coleta e preparação de novos exemplares.
Mas a realidade é que o país reúne diversas instituições com possibilidade não apenas de abrigar exemplares, como também - e
sobretudo - de desenvolver pesquisa científica relevante.
Diante desse cenário, a Sociedade Brasileira de Paleontologia
deveria ser mais proativa, sobretudo esclarecendo a situação ilegal
dos fósseis depositados fora do país e promovendo campanhas de
conscientização junto à comunidade internacional.
(Texto de Alexander W. A. Kellner, disponível em https://cienciahoje.org.br/artigo/de-volta-pra-casa-decolonizacao-napaleontologia/. Adaptado.)