Um olhar estrangeiro
Vanessa Jurgenfeld
Há anos, o americano James Green se dedica ao ensino de história
do Brasil na Universidade Brown, nos Estados Unidos. Em junho, ele
desembarcou no Rio de Janeiro para o que seria apenas mais um simpósio internacional, mas foi surpreendido pela magnitude das manifestações de rua que tornariam junho um mês histórico. Green não teve dúvidas: com as atividades da conferência suspensas um pouco mais cedo,
decidiu ouvir de perto as vozes das ruas.
Assim como Green, outros brasilianistas passaram pelo país nos últimos dias. O historiador Bryan McCann, da Universidade Georgetown,
e o economista Werner Baer, da Universidade de Illinois. Aproveitando
as férias de verão nos Estados Unidos e o recesso das aulas, visitaram o
Brasil para tocar pesquisas sobre assuntos como favelas no Rio e infraestrutura. Depararam-se, porém, com as manifestações, e agora tentam
interpretar suas causas e possíveis consequências.
Green faz ressalvas a comparações internacionais. Para ele, os pesquisadores têm grande dificuldade para analisar os fatos de fora porque,
muitas vezes, não entendem as complexidades internas dos países.
“Achei inadequadas as análises que imediatamente fizeram analogias
com o Oriente Médio. A única coisa em comum é que se usou o mesmo
meio [o Facebook] para a mobilização.” Segundo ele, as ansiedades e as
preocupações dos manifestantes são totalmente diferentes. “Não dá para comparar o regime autoritário que estava no Egito antes da “Primavera Árabe” com o Brasil, que antes das manifestações tinha um governo
com 70% de aprovação.”
Diferentemente de Green, McCann e Baer acreditam que a onda global recente de protestos indica que o Brasil pode não ser um caso único.
Para McCann, comparações com os episódios na Turquia e mesmo com
o movimento Occupy Wall Street, que ocorreu nos Estados Unidos em
2011, são pertinentes. “Certamente, as características brasileiras são um
pouco diferentes. Mas as manifestações deixam claro que a mídia social
e a comunicação instantânea ajudam a espalhar um modo de agir, ajudam a levantar pessoas.” Numa comparação com a Turquia, McCann diz
que, embora o Brasil seja “muito mais democrático”, o perfil dos manifestantes é similar. “É uma faixa parecida da população - os jovens -, e
o que se poderia chamar de nova classe média. São manifestações de
consumidores e de cidadãos que estão exigindo um nível melhor de serviços do governo e de transparência.” Assim como no Occupy Wall
Street, McCann identifica nas manifestações no Brasil uma insatisfação
com a distribuição de renda e o entendimento de que o crescimento
econômico em si não é bom para todo mundo. No Brasil, apesar de a desigualdade cair nos últimos 20 anos, o fato é que alguns enriquecem
muito mais rapidamente e de forma mais expressiva do que a maioria,
que continua com problemas cotidianos de saúde e transporte público,
e não vai comprar mais a ideia de que tudo está ótimo porque tem as
Olimpíadas e a Copa do Mundo.” Para o historiador Bryan McCann, as
mobilizações acabaram com a utopia de que o Brasil tinha resolvido
todos os seus problemas. Baer concorda que as manifestações no Brasil
não devem ser vistas de maneira isolada. Mas diz que aqui parece existir
insatisfação com questões específicas, como o reaparecimento da inflação e os atrasos em obras de infraestrutura. “É uma mistura de fatos que
deixou a população insatisfeita. Não tenho uma teoria nova, são as mesmas especulações que todo mundo está fazendo. Combinando essas
insatisfações em geral com o acesso à rede social, resulta esse tipo de
acontecimento.” Mas o que o deixou um pouco surpreso é que, embora
haja uma taxa de crescimento baixa da economia brasileira, o desemprego - que vem sendo objeto de manifestações em diversos países desenvolvidos - não aumentou. “Então, é muito difícil saber exatamente o que
acontece. Acho que ninguém tem uma teoria certa. Nenhuma pessoa
honesta pode dizer exatamente: “eu sei a causa de tudo isso””.
Os brasilianistas observam diferenças nas atitudes dos governos dos
diferentes países frente às manifestações. “De certa maneira, o governo
brasileiro está reagindo”, diz Baer. “Parece que a presidente Dilma
Rousseff sabe que alguma coisa precisa ser feita para atender às reivindicações. McCann concorda que o governo brasileiro procura responder aos protestos, diferentemente do que faz o primeiro-ministro
turco, Recep Tayyip Erdogan, “que está tapando os ouvidos”. A presidenta
Dilma, segundo ele, está acenando para o movimento popular. “Se vai dar em alguma coisa, não sei. A reforma política é necessária e isso está
claro há uns dez anos. Green argumenta que, para se compreender o
encadeamento de protestos no Brasil, é preciso pensar na relação com
“as promessas de uma social-democracia justa e ampla que não estão
sendo cumpridas por um governo que diz que tudo está melhorando”.
A energia política liberada nas ruas, em diferentes manifestações de insatisfação, precisaria, num processo de desdobramento natural, ser
combinada com um vigor correspondente na realização das mudanças
reclamadas. Os protestos poderão incentivar uma disputa mais acirrada
na próxima eleição presidencial. “Acho que a percepção é de que vai
haver mais competição política e que a reeleição de Dilma não está
garantida. Agora há realmente um debate, o que também é algo positivo”, diz McCann.
(Adaptado de Valor Econômico, 19/07/2013, pp. 11-13.)