E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos
enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões
que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era
o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e
das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e
era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha
do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e
traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito
tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe
as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias,
para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber.
De todas as impressões daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito
o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não de vinho, mas
de mel chuchurreado no cálice de flores americanas, dessas muito alvas,
cheirosas e úmidas, que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente
sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas trescalam um aroma que entristece de saudade.
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012. p. 152)