Texto 2
UM PÉ DE MILHO
Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o
fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.
Aconteceu que, no meu quintal, em um monte de terra trazida pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser
um pé de capim – mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa. Secaram as
pequenas folhas; pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo, veio um amigo
e declarou desdenhosamente que aquilo era capim. Quando estava com dois palmos, veio um outro amigo e afirmou
que era cana.
Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança
suas folhas além do muro e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto.
Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente. Um pé de milho sozinho, em um canteiro espremido, junto do
portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes
roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas –
mas na lógica de seu crescimento, tal como vi numa noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, de
crinas ao vento e em outra madrugada, parecia um galo cantando.
Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho
pendoou. Há muitas flores lindas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme,
vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que me
fazem bem. É alguma coisa que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. Eu não
sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua
Júlio de Castilhos.
Rubem Braga