O loteamento ficava num fim de mundo, terrenos baratos para estimular a autoconstrução de modo a valorizar terras
do mesmo dono mais próximas ao centro, depois de os moradores conseguirem água, luz e ônibus. Ali, um projeto de
lei de um vereador de esquerda deu a cada rua o nome de um desaparecido político, quarenta e sete ruas, quarenta e
sete desaparecidos políticos.
(...) Mas passou a prestar atenção nas placas e indicativos de ruas à medida que o micro‐ônibus percorria o caminho
de volta. (...)
(...) Percorreram algumas ruas com nomes que ele desconhecia. Depois para espanto de K., uma avenida General
Milton Tavares de Souza. Esse ele sabia muito bem quem foi: jamais esqueceria esse nome. O filho do farmacêutico
falara dele. Dom Paulo também. Foi quem criou o DOI‐CODI, para onde levaram o Herzog e o mataram.
(...) Centenas de pessoas passam por aqui todos os dias, jovens, crianças, e leem esse nome na placa, e podem pensar
que é um herói. Devem pensar isso. Agora ele entendia por que as placas com os nomes dos desaparecidos foram
postas num fim do mundo.
KUCINSKI, Bernardo. K. ‐ Relato de uma busca. São Paulo, Cosac Naify, 2014, p. 160‐165