(…) Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a
esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante;
já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num
prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida,
soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar
com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que
dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando.
Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez em quando, rubro e quente como deve
ser um grito saído do sangue. E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de
loucura. E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas fantásticas com as pernas, a
derreter‐se todo, a sumir‐se no chão, a ressurgir inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os
braços a querer fugirem‐lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar‐lhe. E depois, surgiu também a Florinda, e logo o
Albino e até, quem diria! o grave e circunspecto Alexandre.
O chorado arrastava‐os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a
Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles
requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa,
arrogante, meiga e suplicante.
(…)
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Cotia‐SP: Ateliê, 2011.