Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de Moacyr Scliar, para
responder à questão.
Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor desconhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista
holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis
girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes
deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu instinto criador.
Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Começaria pelas
mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não faria
como outros destruidores de telas que entram num museu
armados de facas e atiram-se às obras, tentando destruí-las;
tais insanos não apenas não conseguem seu intento, como
acabam na cadeia. Não, usaria um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era
necessário treinar os cupins para que atacassem as telas
de Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.
Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram
recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de
cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era repulsivo,
mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava.
Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo, foi enorme.
Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as
vigas de sustentação do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.
O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode confiar,
foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van Gogh. Mas
isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que os sádicos
cupins estivessem querendo apenas debochar dele. Cupins
e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
(O imaginário cotidiano, 2002.)