TEXTO I
Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se e espalmou as mãos no teclado.
Começou a tocar alguma coisa própria, uma inspiração real e pronta, uma polca, uma
polca buliçosa, como dizem os anúncios. Nenhuma repulsa da parte do compositor; os
dedos iam arrancando as notas, ligando-as, meneando-as; dir-se-ia que a musa
compunha e bailava a um tempo. […] Compunha só, teclando ou escrevendo, sem os
vãos esforços da véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os
olhos de Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma como de
uma fonte perene.
ASSIS, M. Um homem célebre. Disponível em: www.biblio.com.br. Acesso em: 2 jun. 2019.
TEXTO II
Um homem célebre expõe o suplício do músico popular que busca atingir a
sublimidade da obra-prima clássica, e com ela a galeria dos imortais, mas que é traído
por uma disposição interior incontrolável que o empurra implacavelmente na direção
oposta. Pestana, célebre nos saraus, salões, bailes e ruas do Rio de Janeiro por suas
composições irresistivelmente dançantes, esconde-se dos rumores à sua volta num
quarto povoado de ícones da grande música europeia, mergulha nas sonatas do
classicismo vienense, prepara-se para o supremo salto criativo e, quando dá por si, é o
autor de mais uma inelutável e saltitante polca.
WISNIK, J. M. Machado maxixe: o caso Pestana. Teresa: revista de literatura brasileira, 2004 (adaptado).