Questões Militares de Literatura
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“Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar (…). A realidade é que eu almocei, como os demais dias.”
Nesse trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis dirige-se ao leitor e informa como a história deveria ser contada, mas prefere dizer a verdade. Com isso, o autor faz uma crítica ao seguinte estilo de época da literatura:
TEXTO III
À proporção que alguns locatários abandonavam a estalagem, muitos pretendentes surgiam disputando os cômodos desalugados. Delporto e Pompeo foram varridos pela febre amarela e três outros italianos estiveram em risco de vida. O número dos hóspedes crescia, os casulos subdividiam-se em cubículos do tamanho de sepulturas, e as mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador. Uma família, composta de mãe viúva e cinco filhas solteiras, das quais destas a mais velha tinha trinta anos e a mais moça quinze, veio ocupar a casa que Dona Isabel esvaziou poucos dias depois do casamento de Pombinha.
Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça-de-Gato”. Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o legítimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhante gênero de especulações. E João Romão, estalando de raiva, viu que aquela nova república da miséria prometia ir adiante e ameaçava fazerlhe à sua perigosa concorrência. Pôs-se logo em campo, disposto à luta, e começou a perseguir o rival por todos os modos, peitando fiscais e guardas municipais, para que o não deixassem respirar um instante com multas e exigências vexatórias; enquanto pela sorrelfa* plantava no espírito dos seus inquilinos um verdadeiro ódio de partido, que os incompatibilizava com a gente do “Cabeça-de-Gato”. Aquele que não estivesse disposto a isso ia direitinho para a rua, “que ali se não admitiam meias medidas a tal respeito! Ah! ou bem peixe ou bem carne! Nada de embrulho!”.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço, 1890. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000015.pdf. Acesso em 27 jul. 2020.
* sorrelfa: dissimulação silenciosa para enganar ou iludir
Leia este poema.
O encontro
Jonathan,
se resolvermos que o céu é este lugar onde
ninguém nos ouve,
quem poderá salvar-nos?
Quanto tempo resistiríamos sem falar a ninguém
deste acontecimento?
Acompanhei com os dedos o desenho miraculoso do teu lábio,
contornei-lhe as gengivas, bati-lhe no dente escuro como um cavalo,
um cavalo meu na campina.
Pedi-lhe: faz com tua unha um risco na minha cara,
o amor da morte instigando-nos com nunca vista coragem.
Vamos morrer juntos antes que o corpo alardeie sua mísera condição.
Agora, Jonathan neste lugar tão ermo, neste lugar
perfeito.
PRADO, Adélia. Poesia completa. 9 ed.
São Paulo: Siciliano, 1991. p. 6.