Questões Militares
Sobre coesão e coerência em português
Foram encontradas 687 questões
Texto 1
Agronegócio e a morte da Amazônia
É comum ver nos discursos de empresários e políticos o pensamento ufanista sobre as maravilhas de nosso agronegócio, dizendo que a produção brasileira "alimenta o mundo" e que nosso gado é "verde". É um discurso que lembra a propaganda do Brasil Grande, de triste memória, e tenta pôr uma grande sujeira para baixo do tapete.
Os estrangeiros já sabem: nossa exploração agrícola, soja à frente, já destruiu 4 de cada 10 hectares de cerrado . Nesse ritmo, esse ecossistema estará extinto em 20 anos. Não é à toa, visto que o nosso gado tem a pior produtividade do mundo: uma vaca ocupa, para engordar, um hectare de terra, cada vez mais frequentemente roubado à Amazônia. Com os mesmos metros quadrados, um agricultor europeu produz alimentos nobres e caros, para alimentar e enriquecer seres humanos. Enquanto isso, nossa soja alimenta porcos na China.
Se computarmos o dano irreversível ao meio ambiente, bem público que destrói com a devastação da terra, e o somarmos aos subsídios e às generosas rolagens de dívidas dos grandes produtores, o cálculo revelará um agronegócio insustentável. Em vez de alimentar o mundo e enriquecer os brasileiros, ele se tornou uma destrutiva usina de insumo industrial barato.
É um modelo que ameaça (ao invés de garantir) o objetivo de dobrar a produção mundial de alimentos em 35 anos para receber 2 bilhões de novas bocas. Para fazer sua parte, alimentar os brasileiros e ganhar dinheiro exportando comida de gente, não de suínos, é necessário mudar a escandalosa cultura de desperdício do campo brasileiro.
Quando se trata de plantar para dar de comer a rebanhos, a chamada "taxa de conversão" é muito baixa: uma vaca dá três calorias de carne para cada cem calorias de grãos que come para engordar (sim, 3%); o porco produz dez calorias, e o frango, 12, para cada cem que consome. É melhor o aproveitamento da vaca leiteira (40 calorias no leite) e da galinha poedeira (12 no ovo, para cada cem consumidas). Em outras palavras, gerar proteína animal é sempre um péssimo negócio, e o boi é o pior de todos.
E como funciona o agronegócio brasileiro? Metade de nossa produção agrícola é ração de animais a preços irrisórios. E a estrela de nossa pecuária é exatamente a carne de vaca. Enquanto isso, importamos feijão e outros alimentos pagando mais caro.
O Brasil viveu até hoje com a falsa impressão de que a água e a terra eram bens infinitos. Essa visão está em xeque com a crise hídrica, causada em parte pelo desmatamento da Amazônia e do cerrado. Num pais em que a água escasseia, quase 70% de seu consumo é para irrigação de áreas de cultivo. A pecuária é um mata-borrão: suga 11% de nossa água - mesmo consumo dos 200 milhões de humanos do Brasil.
Com o desmatamento para abrir pastos, fontes de água são destruídas e o regime de chuvas muda. O gado não somente consome verdadeiras cachoeiras em seu processo de engorda, como já produz escassez antes mesmo de ocupar os extensos hectares de floresta que destrói.
Gastamos água, que falta a humanos, para matar a sede infinita das vacas e regar a soja que vai ser exportada a preços irrisórios. Enquanto isso, continuamos a nos ufanar de uma opção econômica que está nos consumindo a todos, com a água e a terra fartas que um dia este Brasil ganhou de presente.
(SERVA, Leão. Agronegócio e a morte da Amazônia. Folha de
São Paulo, São Paulo, 24 nov. 2014. Cotidiano.)
Deixem eu ser brasileiro!
Sou tradutor profissional há mais de vinte e cinco anos e a experiência acumulada nesse tempo me confere uma cristalina certeza: os revisores que trabalham nas nossas editoras pertencem a uma seita secreta com a missão de boicotar ao máximo o português brasileiro, impedir que ele se consagre na língua escrita para preservar tanto quanto possível a norma-padrão obsoleta que eles julgam ser a única forma digna de receber o nome de “língua portuguesa”.
Sempre fico irritado quando recebo os meus exemplares de tradutor e, ao reler o que escrevi, encontro uma infinidade de “correções" que representam a obsessão paranoica de expurgar do texto escrito qualquer “marca de oralidade”, qualquer característica propriamente brasileira de falar e de escrever o português. É sistemático, é premeditado (só pode ser). Todos os “num" e “numa” que uso são devidamente desmembrados em “em um” e "em uma”, como se essas contrações, presentes na língua há mais de mil anos, fossem algum tipo de vício de linguagem. Me pergunto por que não fazem o mesmo com “nesse”, "nisso" etc., ou com “no" e “na”. Por que essa perseguição estúpida ao “num”, “numa"? O mesmo acontece com o uso de "tinha" na formação do mais-que-perfeito composto: "tinha visto", “tinha dito”, "tinha falado” são implacavelmente transformados em “havia visto" etc., embora qualquer criancinha saiba que o verbo "haver", no português brasileiro, é uma espécie em extinção, confinada a raríssimos ecossistemas textuais...
É claro que o sintoma mais visível e gritante desse boicote consciente ao português brasileiro é a putrefacta colocação pronominal. A próclise, isto é, o pronome antes do verbo, é veementemente combatida, ainda que ela seja a única regra natural de colocação dos pronomes oblíquos na nossa língua. O combate é tão furibundo que até mesmo onde a tradição gramatical exige a próclise ela é ignorada, e os livros saem com coisas como “não conheço-te”, “já formei-me”, “porque viram-nos”. Isso para não mencionar a jurássica mesóclise, que alguns necrófilos ainda acham que é uma opção de colocação pronominal, desprezando o fato de que se trata de um fenômeno gramatical morto e enterrado na língua dos brasileiros há séculos.
Senhoras revisoras e senhores revisores, (...) saiam de sua redoma de vidro impermeável às mudanças da língua (...) ouçam os apelos de José de Alencar, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e tantos outros que há tanto tempo pedem, suplicam, imploram: deixem eu falar e escrever na minha língua, na língua que é a única capaz de expressar meus sentimentos, emoções e ideias! Deixem eu ser brasileiro, deixem eu escrever para ser entendido peios meus contemporâneos!
BAGNO, Marcos. Caros Amigos, São Paulo, v.1, n.1, p.
39-42, fev. 2009. Adaptado
Leia o poema de Augusto dos Anjos para responder à questão.
À mesa
Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensanguentada presa,
Rodeada pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa!
Como porções de carne morta... Ai! Como
Os que, como eu, têm carne, com esse assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!...
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.
(Augusto dos Anjos. Eu e outras poesias, 2011)
Leia os quadrinhos.
Uma frase condizente com a afirmação do personagem
no primeiro quadrinho e redigida conforme a norma-padrão da língua é:
Autobiografia e memória
Rita Lee acaba de publicar um livro delicioso, que chamou de Uma autobiografia. É uma narrativa, na primeira pessoa, de sua vida como mulher e cantora, escrita com humor e franqueza incomuns em artistas brasileiros do seu porte.
Exemplos. Foi presa grávida e salva por Elis Regina de abortar. Teve LPs lançados com faixas riscadas a tesoura pela Censura.
É um apanhado e tanto, com final feliz. Mas será uma “autobiografia”? Supõe-se que uma autobiografia seja uma biografia escrita pela própria pessoa, não? E será, mas só se ela usar as armas de um biógrafo, entre as quais ouvir um mínimo de 200 fontes de informações. Na verdade, a “autobiografia”, entre nós, é mais uma memória, em que o autor ouve apenas a si mesmo.
Não há nenhum mal nisto, e eu gostaria que mais cantores publicassem suas memórias. Mas só uma biografia de verdade oferece o quadro completo. No livro de Rita, ela fala, por exemplo, de um show na gafieira Som de Cristal, em 1968, com os tropicalistas e astros da velha guarda. Na passagem de som, à tarde, Sérgio e Arnaldo, “intencionalmente, ligaram os instrumentos no volume máximo, quase explodindo os vidros da gafieira”, e o veterano cantor Vicente Celestino “lá presente, teve um piripaque”. Fim.
Uma biografia contaria o resto da história – que Celestino foi para o Hotel Normandie, a fim de se preparar para o show, e lá teve o infarto que o matou.
(Ruy Castro. Folha de S.Paulo, 26.11.2016. Adaptado)
Na rede, somos todos testemunhas
O que leva os jovens a expor nas redes sociais uma intimidade
primeiramente consentida e só depois compreendida?
O homem é um animal falante e mortal, dizia Aristóteles. E, como ele, muitos outros filósofos associam a humanidade do homem à condição da fala. Heidegger dizia que construímos não só nossa humanidade, mas também nossa singularidade através da linguagem.
Para Hannah Arendt, falar nos iguala aos outros tanto quanto nos distingue deles. Ao falar, os homens se comunicam uns com os outros, e a palavra comunicar quer dizer tornar comum. Como os homens falam e agem, falar e agir estão sempre associados, à medida que as palavras dão significado aos nossos atos e, assim, mostram nossas intenções, nossos princípios e motivos e, enfim, revelam a pessoa que somos. Assim, se palavras e atos estiverem divorciados, as palavras tornam-se vazias e os atos ficam brutais.
Tanta filosofia tem o propósito de encontrar argumentos para compreender por que nosso modo de comunicação precisa da exposição cada vez mais veloz e abrangente de nossos pensamentos, sentimentos, gestos e imagens.
Um fio de luz para compreender essa necessidade não apenas de existir, mas de registrar e divulgar os passos e os traços da nossa existência. E uma razão para entender por que o suicídio se oferece como saída para uma exposição inadequada.
A filosofia contemporânea também revelou que a realidade não subsiste em si mesma, mas só aparece como realidade quando é percebida pela nossa consciência, e se essa consciência for compartilhada com outros.
Do mesmo modo, a realidade do nosso eu só é assegurada quando outros nos veem, nos ouvem, quer dizer, nos testemunham. É o testemunho dos outros que nos torna reais, e que efetiva tudo o que e como fizemos e dissemos.
As redes sociais são redes de testemunho. Em todas as épocas as comunidades tiveram um espaço público, um cenário em que podiam aparecer para os outros e exibir sua excelência, ou seu virtuosismo.
Os gregos inventaram a ágora e os modernos, os salões. Os artistas ainda têm palco e plateia. No período da monarquia francesa, os nobres cercavam os reis em seus palácios para vê-los dormir, comer, banhar-se, defecar, copular…
Depois, instalada a República, aqueles que haviam conseguido superar a pobreza e enriquecer abriam suas casas para que todos pudessem ver os bens adquiridos.
Durante a revolução americana, os homens se sentiam reconhecidos em sua mera existência e em sua excelência quando se tornavam representantes de seus concidadãos e se expunham nos âmbitos políticos. E isso era tão importante para eles que chamavam a essa exibição/testemunho de felicidade pública.
Mas todos nós sabemos que feitos e discursos têm vida curta, duram apenas o tempo de sua própria realização. O virtuosismo de um violinista, por exemplo, dura somente o tempo da execução da música, assim como o vigor de um discurso termina quando o expositor para de falar, e a performance de um acrobata quando finda seu contorcionismo.
A excelência e a existência de um gesto ou de uma palavra são fugazes e, por isso mesmo, podem ser esquecidas. Só quando ganham alguma forma de registro, como publicações, fotos, filmes… têm a chance de se perpetuar.
A febre de celebridade que toma conta do nosso tempo leva as pessoas a se lançarem ávidas sobre qualquer oportunidade de exibição e reconhecimento, mesmo sem nenhuma excelência ou virtuosismo.
Mas se o testemunho dos outros e os registros salvam nossa existência e a afirmação de nossa singularidade da dissolução e do esquecimento, podem também dar uma persistência indelével ao que gostaríamos de manter no ocultamento. Ao garantir nossa exposição, esses registros e testemunhos também nos mantêm presas da interpretação e da memória dos outros.
Um gesto ou uma palavra que foram apenas testemunhados e revelados pela fala dos que nos presenciaram podem ser alvo de dúvida e negativas, ou mesmo ser considerados mentiras, difamações, maledicências. Mas isso não serve para os registros, sobretudo de imagem e sonoros, divulgados na mídia e, especialmente, nas redes sociais. Eles parecem ser incontestáveis.
Quanto mais idade temos, mais cresce o desejo de recolhimento e de estarmos abrigados da opinião pública. Isso não acontece com os jovens, que dependem dessa exibição como uma ponte para o mundo. Eles precisam se afirmar na sua mera existência e no que os tornaria menos infantis e submissos aos pais. Precisam mostrar sua ousadia, sua irreverência, sua sexualidade, sua insubordinação, seu poder de desacato às normas e à moral.
Talvez por isso se exponham sem pensar e sem querer, sem saber diferenciar o privado do que é público, sem ainda poder avaliar a preciosidade da intimidade e o valor inestimável da vida e da própria singularidade. A marca do testemunho é que ele torna os acontecimentos irreversíveis e o mal, sem remédio. Talvez seja por isso que, quando expostas nas redes sociais em uma intimidade primeiramente consentida e só depois compreendida, adolescentes tirem a própria vida.
(CRITELLI, Dulce. Disponível em http://www.cartaeducacao.com.br/artigo/somos-todos-testemunhas/ Acesso em: 15 de ago 2016.)
TEXTO 2
TEXTO 1
TEXTO 3
Memória coletiva
Em 1925, quando a era das comunicações começava a se acelerar, o filósofo francês Maurice Halbwachs aventou a ideia de uma “memória coletiva”: o conjunto de lembranças que um grupo de pessoas compartilha sobre um evento marcante e que, somado a fatos e imagens de domínio público, forma um tecido muito mais extenso e bem tramado do que a simples soma das recordações individuais. Esse tecido é tão forte, aliás, que pode ser compartilhado até mesmo por gerações que não assistiram aos acontecimentos. É um fenômeno presente na maneira como os judeus lembram o Holocausto ou os americanos revivem a Guerra do Vietnã. Na vida brasileira, o ano de 1970 é um desses polarizadores da memória coletiva: o ano em que o país reuniu a mais brilhante escalação da história do futebol, em que esse time derrotou de maneira quase heroica cada um dos seus adversários [...], em que a população experimentou, na Copa do Mundo, seu primeiro grande evento de mídia – e também um ano em que a ditadura militar arrancava as pessoas de suas casas e sumia com elas, em que tudo era dito aos sussurros e em que essa euforia de uma torcida nacional foi usada como cortina de fumaça para o desgoverno e se misturou a ele. [...] E está aí, em boa medida, a beleza de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (Brasil, 2006) [...]: na maneira como ele ao mesmo tempo separa e une esses dois fios da memória.
No começo de 1970, Mauro (Michel Joelsas), de 12 anos, é tirado às pressas de sua casa em Belo Horizonte e levado para o apartamento do avô, no bairro paulistano do Bom Retiro. Os pais, aflitos, dizem que estão saindo de férias e, quando puderem, voltarão para buscá-lo, de preferência a tempo de assistirem juntos à Copa. Vão-se embora sem conferir se o avô recebeu o menino em segurança. Mas ele não está em casa, nem vai voltar. Mauro vira então atribuição da vizinhança. Mora meio na casa vazia do avô, meio no apartamento ao lado, do velho Shlomo (Germano Haiut), zelador da sinagoga local – o Bom Retiro reunia então uma forte comunidade judaica, a que Mauro nem sabia pertencer. Janta com uma pessoa, almoça com outra, brinca com as crianças do bairro e, o tempo todo, mantém um olho grudado no futebol e o outro no telefone, à espera de uma ligação dos pais que não chega nunca.
[...]
(BOSCOV, Isabela. Disponível em: http://arquivoetc.blogspot.com.br/2006/10/memria-coletiva.html.)
Dentre os mecanismos linguísticos utilizados para que sejam feitas referências a elementos presentes no texto está a anáfora. Leia os trechos a seguir:
I. “[...] estafada pela febre das suas paixões.” (1º§)
II. “A cidade caiu no letargo de todas as noites.” (1º§)
III. “[...] cessaram os últimos restos do trabalho e do prazer, [...]” (1º§)
IV. “[...] esfalfada pelas suas ambições, extenuadas pelas suas lutas, [...]” (1º§)
A ocorrência de tal mecanismo pode ser evidenciada apenas em:
Ordene os fragmentos de modo que constituam um parágrafo coerente e coeso e, em seguida, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.
( ) Um olhar mais aprofundado, porém, revela que a somatização é um reflexo de como corpo e mente estão interligados.
( ) Especialista em psicossomática, área que busca a compreensão dos processos mentais envolvidos no adoecimento físico, a autora relata casos clínicos de somatização que observou em sua experiência clínica.
( ) São comuns casos de pacientes que apresentam sintomas clínicos de doenças que não aparentam ter nenhuma causa orgânica.
( ) Essa relação é discutida pela neurologista Suzanne O’Sullivan em Isso é coisa da sua cabeça.
( ) E o que o senso comum chama equivocadamente de “doença psicológica”, subentendendo que a origem do sofrimento é inexistente.
(Fonte: htto://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/mente e corno interligados.html. Acesso em 19 de maio de 2016).
TEXTO I
Cidadania: Lei Maria da Penha completa 10 anos
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340), sancionada em 7 de agosto de 2006, completa dez anos de vigência. Ela foi criada para combater a violência doméstica e familiar, garante punição com maior rigor dos agressores e cria mecanismos para prevenir a violência e proteger a mulher agredida.
Desde 1988 a Constituição brasileira já trazia o princípio da igualdade entre homens e mulheres, em todos os campos da vida social. O artigo 226 diz que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. A inserção desse artigo atribui ao Estado a obrigação de intervir nas relações familiares para coibir a violência, bem como de prestar assistência às pessoas envolvidas. No entanto, os casos de violência contra a mulher eram considerados de menor potencial ofensivo e a punição dependia muito da interpretação do juiz.
Até 2006, havia um massivo arquivamento de processos de violência doméstica. Eram comuns casos em que agressões físicas foram punidas apenas com o pagamento de cestas básicas. Ou ainda, situações fatais, em que o agressor mata a mulher e tem sua responsabilidade diminuída: a mulher cometeu adultério e o marido acaba sendo absolvido na Justiça por estar defendendo a sua honra ou o assassino que cometeu “um homicídio passional” por ciúmes não é devidamente penalizado.
Nesse contexto, muitas brasileiras não denunciavam as agressões porque sabiam que seriam ignoradas pelas autoridades e os companheiros não seriam punidos. Outros fatores também contribuem para que a mulher não consiga sair da relação com o agressor: ela é ameaçada e tem medo de apanhar de novo ou morrer se terminar a relação, ela depende financeiramente do companheiro, tem vergonha do que a família e amigos vão achar, acredita que o agressor vai mudar e que não voltará a agredir ou pensa que a violência faz parte de qualquer relacionamento.
A Lei Maria da Penha, amparada no artigo 226 e em acordos internacionais, altera o Código Penal e aumenta o rigor nas punições para agressões de pessoas próximas. A lei tirou da invisibilidade e inovou ao tratar a violência doméstica e de gênero como uma violação de direitos humanos.
A Lei 11.340 configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Entre as inovações, está a velocidade no atendimento aos casos. Depois que a mulher apresenta queixa na delegacia de polícia ou à Justiça, o juiz tem o prazo de até 48 horas para analisar a concessão de proteção. Além disso, a Lei Maria da Penha ampara a mulher dentro e fora de casa. Também considera a agressão psicológica e patrimonial como violência doméstica e familiar contra a mulher, ou seja, abrange abusos que não deixam marcas no corpo.
A aplicação da lei Maria da Penha contempla ainda agressões de quaisquer outras formas, do irmão contra a irmã (família); genro e sogra (família, por afinidade); a violência entre irmãs ou filhas (os) e contra a mãe (família).
Apesar de significar um marco na questão da violência doméstica, ainda falta muito para a violência contra a mulher terminar. A Lei Maria da Penha precisa ser implementada nos Estados de forma eficiente. Além disso, é preciso mudar a cultura de violência e o machismo da sociedade brasileira. Uma questão que demanda educação, trabalho e tempo.
CUNHA, Carolina, Novelo Comunicação, 19 ago. 2016, UOL Vestibular, Atualidades. (Adaptação)