Seria ingenuidade procurar nos provérbios de
qualquer povo uma filosofia coerente, uma arte de viver. É
coisa sabida que a cada provérbio, por assim dizer,
responde outro, de sentido oposto. À quem preconiza O
sábio limite das despesas, porque '“vintém poupado,
vintém ganhado”, replicará o vizinho farrista, com razão
igual: “Da vida nada se leva.”. À experiência popular tanto
fornece bons conselhos aos indecisos quanto justificativas
para os velhacos, e um código baseado nos rifões não
estaria menos cheio de contradições do que os códigos
compilados pelos jurisconsultos.
Mais aconselhável procurarmos nos anexins não a
sabedoria de um povo, mas sim o espelho de seus
costumes peculiares, os sinais de seu ambiente físico e de
sua história. As diferenças na expressão de uma sentença
observáveis de uma terra para outra, podem divertir o
curioso e, às vezes, até instruir o etnógrafo.
Povo marítimo, o português assinala semelhança
grande entre pai e filho, lembrando que “filho de peixe,
peixinho é". Já os húngaros, ao formularem a mesma
verdade, não pensavam nem em peixe, nem em mar, ao
olhar para o quintal, notaram que "a maçã não cai longe
da árvore”.
Desconfiado das classes superiores, O caboclo
inventou o preceito: “Cada macaco no seu galho”, o
húngaro foi achar inspiração no pomar para advertir que
“não se devem comer cerejas com os fidalgos no mesmo
prato" e acrescentar, caso alguém lhe perguntasse O
porquê, “pois eles comem a fruta e cospem-te o caroço na
cara”.
Sem sair do quintal, o camponês magiar encontra
na contemplação de seus animais muitos motivos de
meditação: “Quem se mistura com o farelo, os porcos o
comem, afirma para condenar as más companhias (ao
passo que o português, segundo me informa meu amigo
Aurélio Buarque de Holanda, declara o contrário para dizer
a mesma coisa: "Quem com porcos se mistura, farelo
come”). “Até a cabra velha lambe o sal”, cita ele para
explicar, se não para desculpar, o comportamento de
algum velhote mulherengo (caracterizado em português
por um ditado parecido: “Cavalo velho, capim novo”). Às
mais vezes, os fenômenos do quintal servem-lhe de
consolação na sua filosofia de resignado: “Quando não há
cavalo, serve o burro” (tradução portuguesa: "Quem não
tem cão, caça com gato”); “O raio não parte a urtiga” (isto
é: “Vaso ruim não quebra”); “Até a galinha cega encontra o
grão" e “Muita gente boa cabe em pouco lugar”.
Ao querer juntar o maior número possível de
adágios húngaros, surpreende-me quão poucas são as
exortações diretas a praticar o bem. A mais usada delas
parece possuir, até, um matiz irônico: “Em troca de um
benefício, espera o bem”, e nos lembra o nosso “esperar
sentado”. Com maior frequência recomenda-se a
abstenção do mal em vista das possíveis complicações.
“Quem cava uma fossa para o outro, ele mesmo cairá
dentro.” Como esperar, aliás, bondade do gênero humano,
quando “até os santos têm as mãos viradas para si”. Se a
Hungria fosse à beira-mar, puxariam para si as sardinhas. Por isso, nada de colaborações, de cooperativismo:
“Cavalo de dois donos tem a costas esfoladas.” A
solidariedade, aliás, é antes uma virtude de espertos: “Um
corvo não fura o olho de outro corvo.”
A pobreza do povo, naturalmente, é uma das
principais inspiradoras do adágio: “Pobre cozinha com
água” enquanto vive, e mesmo que se enforque, “até o
galho puxa o pobre”, ao passo que “o senhor é senhor até
no Inferno”. O pobre também gosta de comida boa, pois
sabe que “carne barata tem o suco ralo”, mas é obrigado a
limitar seus apetites, pois “dias há mais que salsichas”.
Pelo menos sonha melhor alimentação, o que é bastante
compreensível, pois, como diria o próprio Freud, “porco
faminto sonha com bolota”. Interessante a fórmula usada
principalmente por pessoas abastadas ao oferecerem um
farto banquete: "Somos pobres, mas vivemos bem”, que
parece quase um esconjuro para reconciliar altos poderes
ciumentos. [...]
O espetáculo do mundo, que na Hungria “é do
sabido" (e no Brasil “dos mais espertos”), não oferece
muito conforto. É melhor a gente cuidar do que é nosso,
não se meter com as coisas dos outros “varrer na frente
da própria casa” e calar-se o mais possível: “Minha boca
não fales, minha cabeça não há de doer.” Muito falar não
adianta, pois “muita conversa tem muita borra”, e “até cem
palavras acabam numa só”.
Se, apesar de tanta coisa errada que a gente vê
no imundo, a sorte. dos velhacos não deve despertar
inveja, é porque “o chicote estala é na ponta”. Essa frase,
compreensível apenas para quem sabe que os pastores
da estepe húngara tangem o gado com chicotes
compridos, terminados numa ponta de crina, cujos estalos
metem medo à bicharada, serve para lembrar-nos que um
destino só é completo quando chegou ao fim, ou, então,
que “ri melhor quem ri por último”. Sem dúvida, os
caminhos da justiça divina são muitas vezes obscuros:
“Deus não bate com bordão” (ou, o que dá no mesmo,
"escreve certo por linhas tortas”); mas, “o que demora, não
falha”, (isto é, “a justiça divina tarda, mas não falha”),
porque, “se Deus quer, até o cabo da enxada dá tiro”
(enquanto no Brasil “quando Deus quer, água fria é
remédio”.
RÓNAI, Paulo. Como aprendi o português e outras aventuras.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013. (Texto adaptado)