Leia o capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, para responder às questões de números
71 a 74.
O cimo da montanha
Quem escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade.
Entrei a amar Virgília com muito mais ardor, depois que
estive a pique de a perder, e a mesma coisa lhe aconteceu a
ela. Assim, a presidência não fez mais do que avivar a afeição
primitiva; foi a droga com que tornamos mais saboroso o nosso
amor, e mais prezado também. Nos primeiros dias, depois daquele
incidente, folgávamos de imaginar a dor da separação,
se houvesse separação, a tristeza de um e de outro, à proporção que o mar, como uma toalha elástica, se fosse dilatando
entre nós; e, semelhantes às crianças, que se achegam ao
regaço das mães, para fugir a uma simples careta, fugíamos
do suposto perigo, apertando-nos com abraços.
— Minha boa Virgília!
— Meu amor!
— Tu és minha, não?
— Tua, tua...
E assim reatamos o fio da aventura, como a sultana
Scheherazade* o dos seus contos. Esse foi, cuido eu, o ponto
máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde por algum
tempo divisamos os vales de leste e de oeste, e por cima de
nós o céu tranquilo e azul. Repousado esse tempo, começamos
a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas, mas
a descer, a descer...
*personagem principal das Mil e uma noites, em que é a narradora que
conta ao sultão as histórias que vão adiando a sentença de morte dela.
(1998, p. 128-129)