A pipa e a flor
... Era uma vez uma pipa.
O menino que a fez estava alegre, e imaginou que a
pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha,
colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um
nariz, uma boca...
Ò pipa boa: levinha, travessa, subia alto...
Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos
fios e dos galhos das árvores.
Mas aconteceu um dia, ela estava começando a
subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou
para baixo e viu, lá no quintal, uma flor. Ela já tinha
encontrado muitas flores. Só que desta vez os seus olhos
e os olhos da fior se encontraram, e ela sentiu uma coisa
estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras,
mais belas. Eram os olhos...
A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só
queria ser uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah!
Ela era tão maravilhosa. Que felicidade se pudesse ficar
de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias...
E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se
de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela
arrebentou e a pipa foi cair, devagarinho, ao lado da flor.
E deu a linha para ela segurar.
Ela segurou forte.
Agora, sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que
voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria
com ela, e ao voltar lhe contaria estórias para que ela
dormisse. E ela pediu:
- Florzinha, me solta...
E a florzinha soltou.
A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz.
Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém
esperando, lá embaixo.
(...)
(ALVES, Rubem. A pipa e a flor. São Paulo: Loyola, 2004,
p. 12-24)