No aeroporto
Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse
tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre
tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras,
e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e
expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo
plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso
foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em
particular o nosso trecho de rua. [...]
Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas
especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam
providências e privilégios maiores. [...]
Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já
vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço.
Reprod. em: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973, p. 1107-1108.)