Questões de Concurso Militar PM-MG 2014 para 2º Tenente - Clínica Médica

Foram encontradas 40 questões

Q656735 Português

                                             Uma Galinha

                                                                                                      Clarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem! 

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.

Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”.  

Marque a alternativa CORRETA quanto ao perfil psicológico da galinha antes do início do preparo do almoço:
Alternativas
Q656740 Português
Marque a alternativa CORRETA cuja concordância nominal se encontra de acordo com a norma gramatical:
Alternativas
Q656747 Medicina
Em relação ao Atestado Médico emitido pelo médico assistente para fins de perícia, é CORRETO afirmar que
Alternativas
Q656751 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656752 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656753 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656754 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656755 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656756 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656757 Medicina
Marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656758 Medicina
Marque a alternativa CORRETA. A síndrome de WEIL está relacionada com qual doença?
Alternativas
Q656759 Medicina
Quais dos seguintes fatores e/ou condições clínicas deixam de apresentar, nos estudos da fisiopatologia da doença ulcerosa péptica, provas claras na associação com a mesma?
Alternativas
Q656760 Medicina
Marque a alternativa CORRETA. A osteoartropatia hipertrófica é classicamente descrita em qual neoplasia?
Alternativas
Q656761 Medicina
Sobre a hepatite alcoólica, é CORRETO afirmar que:
Alternativas
Q656762 Medicina
Na complicação "resistência insulínica" da obesidade qual dos eventos NÃO é encontrado?
Alternativas
Q656763 Medicina
O tratamento da doença de Hodgkin NÃO se encontra associado a qual das doenças secundárias listadas abaixo?
Alternativas
Q656764 Medicina
Sobre o mieloma múltiplo, alguns achados podem ser encontrados na avaliação inicial, marque a alternativa NÃO relacionada a esta doença:
Alternativas
Q656765 Medicina
Sobre a Hanseniase, marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656766 Medicina
Sobre a Dengue, marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Q656767 Medicina
Sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis, marque a alternativa INCORRETA:
Alternativas
Respostas
1: X
2: X
3: C
4: D
5: C
6: A
7: B
8: A
9: B
10: A
11: C
12: B
13: A
14: B
15: X
16: D
17: C
18: B
19: X
20: B