Atenção: Para responder à questão, considere o texto a seguir.
A charada do consumo
Atacar a espiral consumista é fácil; o desafio é entender a natureza do seu poder sobre a psicologia humana. A busca por
respostas remonta ao mundo antigo. “A riqueza demandada pela natureza”, sentenciou Epicuro no século IV a.C., “é limitada e fácil
de obter; a demandada pela vã imaginação estende-se ao infinito e é difícil de obter”. A centralidade da imaginação como mola propulsora do consumo reaparece, 2 mil anos mais tarde, na observação do crítico social inglês John Ruskin: “Três quartos das demandas
existentes no mundo são românticas; e a regulagem da bolsa é, em essência, a regulagem da imaginação e do coração”.
O espectro dos desejos de consumo, todavia, não conhece divisões absolutas. As exigências da natureza, é certo, impõem
limites e têm de ser atendidas; mas seria ingênuo supor que nossas necessidades básicas de consumo possam ser demarcadas por
um critério rigidamente biológico: artigos de consumo de primeira necessidade hoje em dia, como anestésicos, escovas de dente e
geladeiras, eram simplesmente desconhecidos nos tempos de Epicuro.
Que o rol das coisas indispensáveis à vida cresceu na história é ponto pacífico. A pergunta inicial, porém, permanece:
supridas as exigências básicas, o que move o consumo? O bombardeio de estímulos publicitários a que estamos submetidos é, sem
dúvida, parte da resposta, mas é difícil acreditar que ele tenha o dom de criar do nada os desejos que insufla; se funciona, é porque
encontra solo fértil em nossa imaginação. A gama das fantasias que nos impelem a consumir não é menor que a pletora de artigos
disponíveis no mercado.
Há, não obstante, um aspecto peculiar da nossa “vã imaginação” que remete ao nervo do consumo no mundo moderno.
Quando os meios de vida já foram obtidos, há dois tipos de riqueza que podemos demandar. Uma delas é a riqueza democrática: são
os bens cujo valor reside na satisfação direta que nos proporcionam. Coisa muito distinta, porém, é a demanda por riqueza
oligárquica: o desejo de desfrutar daquilo que nos permite “ocupar um lugar de honra na mente dos nossos semelhantes” − os
chamados “bens posicionais”. A satisfação proporcionada por esse tipo de bem depende essencialmente do fato de que sua posse é
privilégio de poucos no grupo de referência.
Daí que na contenda por bens posicionais, onde o sucesso de alguns é por definição a exclusão da maioria, há apetites de
consumo que se estendem ao infinito (dos tênis de marca, novos gadgets e cosméticos às obras de arte). A moeda escassa nesse
jogo sisífico é a atenção respeitosa e o afeto das pessoas que nos cercam.
(GIANNETTI, Eduardo. Trópicos utópicos. Companhia das Letras. Edição do Kindle)