Questões de Concurso Militar EFOMM 2012 para Oficial da Marinha Mercante - Primeiro Dia
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ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.