TEXTO 01
Pastel de beira de estrada
Nós estávamos indo de carro de Porto Alegre para
Passo Fundo, onde se realizava mais uma Jornada de
Literatura (um inacreditável evento em que milhares de
pessoas se reúnem para ouvir escritores, tratá-los como
artistas de cinema e mandá-los de volta em caravanas,
porque seus egos têm que ir em carros separados). O
Augusto Boa!, a Lúcia e eu. Seria uma viagem de quatro
horas· e tínhamos combinado que na metade do caminho
pararíamos para comer pastéis.
Como se sabe, um dos 17 prazeres universais do
homem é pastel de beira de estrada. Existe mesmo uma
tese segundo a qual, quanto pior a aparência do
restaurante rodoviário, melhor o pastel. Mas já estávamos
no meio do caminho e nenhum dos lugares avistados nos
parecera promissor, pastelmente falando. Foi quando o
motorista revelou que conhecia um bom pastel. Nós talvez
só não aprovássemos o local... Destemidos, aceitamos
sua sugestão, antecipando o grau de sordidez do lugar e a
correspondente categoria do pastel. E o motorista parou
num shopping center que tem na estrada, á altura da
cidade de Lajeado.
Não me lembro se a loja de pastéis tinha nome em
inglês. Podia muito bem se chamar "Pastel's", ou coisa
parecida. A loja do lado provavelmente era da Benetton e
o shopping center podia ser em qualquer lugar do mundo.
Alguém que se materializasse ao nosso lado e olhasse em
volta não saberia em que país estava, muito menos em
que estado ou cidade. Nem a visão do Augusto Boa!
comendo um pastel o ajudaria. O Augusto Boa! viaja
muito.
Estávamos, na verdade, no grande e prático Estados
Unidos que se espalhou pelo mundo, e substituiu as ruas
e as estradas dos nossos hábitos pela conveniência arcondicionada. E nada disto doeria tanto se não fosse por
um fato terrível: o pastel estava ótimo.
Estamos perdidos.
Veríssimo, L. A mesa voadora. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.