TEXTO 02
Leia o texto abaixo e responda à questão.
Não, os livros não vão acabar
Não sei se é a próxima chegada da Amazon ao
Brasil ou a profecia maia do fim do mundo, mas o fato é
que nunca vi tanta gente preocupada com o fim do livro.
São estudantes que me escrevem motivados por
pesquisas escolares, organizadores de eventos literários
que me pedem palestras, leitores que manifestam sua
apreensão. Em alguns casos, percebo uma espécie
perversa de prazer apocalíptico, mas logo desaponto
quem quer ver o mar pegando fogo para comer camarão
cozido: é que absolutamente não acredito que o livro vai
acabar.
Tenho escrito reiteradas vezes sobre o assunto;
estou, aliás, numa posição bastante confortável para fazê-lo. Gosto igualmente de livros e de tecnologia, e seria a
primeira a abraçar meus dois amores reunidos num só
objeto; mas embora o Kindle e os vários pads tenham o
seu valor como readers, os livros em papel não estão tão
próximos da extinção quanto, digamos, o tigre de Sumatra.
Para começo de conversa, é preciso lembrar que
o negócio das editoras não é vender papel, mas sim
vender histórias. O papel é apenas o suporte para os seus
produtos. Aos poucos, em alguns casos, ele tende a ser
mesmo substituído pelos tablets. Não dou vida longa aos
livros de referência em papel. Estes funcionam melhor, e
podem ser mais facilmente atualizados, em forma
eletrônica. O caso clássico é o da Enciclopédia Britannica,
cujos editores anunciaram, no começo do ano, que a
edição corrente, de 2010, seria a última impressa,
marcando o fim de 244 anos de uma bela - e volumosa -
história em papel.
Embora quase todos os conjuntos de folhas
impressas reunidos entre duas capas recebam o mesmo
nome de livro, nem todos exercem a mesma função. Há
livros e livros. Um manual técnico é um animal
completamente diferente de um romance; um livro escolar
não guarda nenhuma semelhança com um livro de arte;
uma antologia poética e um guia de viagem são produtos
que só têm em comum o fato de serem vendidos no
mesmo lugar.
Há livros que só funcionam em papel. É o caso
dos livros que os povos angloparlantes denominam coffee
table books, “livros de mesinha de centro” - aqueles livrões
bonitos, em formato grande, cheios de ilustrações e muito
incômodos de ler no colo, impossíveis de levar para a
cama. Estes são objetos que se destacam pelo tamanho,
pela qualidade de impressão, pela vista que fazem. Quem
quer ver um livro desses num tablet? Quem quer
presentear um desses em e-formato?
Há também os grandes clássicos, os romances
que todos amamos e queremos ter ao alcance da mão.
Esses são aqueles livros que, em geral, lemos pela
primeira vez em formato de bolso, mas aos quais nos
apegamos tanto que, não raro, acabamos comprando uma
segunda edição, mais bonita, para nos fazer companhia
pelo resto da vida.
Isso explica as lindas edições que a Zahar, por
exemplo, tem feito de obras que já encantaram várias
gerações, como “Peter Pan”, “Os três mosqueteiros" ou “Vinte mil léguas submarinas”: livros lindos de se ver e de
se pegar, cujo esmero físico complementa a edição
caprichada. Ganhar de presente um livro desses é uma
alegria que não se tem com um vale para uma compra
eletrônica. Fica a dica, aliás, já que o Natal vem aí.
Há prazeres e sensações que só tem com o papel.
Gosto de perceber o tamanho de um livro à primeira vista.
Um tablet pode me informar quantas páginas um volume
tem, mas essa informação é abstrata. Saber que um livro
tem 500 páginas ou ver que um livro tem 500 páginas são
coisas diferentes. Gosto também de folhear um livro e de
fazer uma espécie de leitura em diagonal antes de me
decidir pela compra. Isso é impossível de fazer com
ebooks.
Sem falar, é claro, do cheiro inigualável dos livros
em papel.
RÓNAI, Cora. Jornal O Globo, Economia, 12.11.2012