Pode-se parafrasear Winston Churchill e dizer da democracia o mesmo que se diz da velhice, que, por mais lamentável que
seja, é melhor que sua alternativa. A única alternativa para a velhice é a morte. Já as alternativas para a democracia são várias, uma
pior do que a outra. É bom lembrá-las sempre, principalmente no horário político, quando sua irritação com a propaganda que atrasa
a novela pode levá-lo a preferir outra coisa. Resista. [...] Diante disso, em vez de “que chateação”, pense “que maravilha!”. É a
democracia em ação, com seus grotescos e tudo. Saboreie, saboreie.
O processo, incrivelmente, se autodepura, sobrevive aos seus absurdos e dá certo. Ou dá errado, mas pelo menos de erro
em erro vamos ganhando a prática. Mesmo o que impacienta é aproveitável, e votos inconsequentes acabam consequentes. O
Tiririca, não sei, mas o Romário não deu um bom deputado? Vocações políticas às vezes aparecem em quem menos se espera. E
é melhor o cara poder dizer a bobagem que quiser na TV do que viver num país em que é obrigado a cuidar do que diz. Melhor ele
pedir voto porque é torcedor do Flamengo ou bom filho do que ter sua perspectiva de vida decidida numa ordem do dia de quartel.
Melhor você ser manipulado por marqueteiros políticos, com direito a desacreditá-los, do que pela propaganda oficial e incontestável
de um poder ditatorial. [...]
Certo, às vezes as alternativas para a democracia parecem tentadoras. Ah, bons tempos em que o colégio eleitoral era
minimalista: tinha um só eleitor. O general da Presidência escolhia o general que lhe sucederia, e ninguém pedia o nosso palpite.
Era um processo rápido e ascético que não sujava as ruas. A escolha do poder nas monarquias absolutas também é simples e
sumária, e o eleitor do rei também é um só, Deus, que também não se interessa pela nossa opinião. Ou podemos nos imaginar na
Roma de Cícero, governados por uma casta de nobres, sem nenhuma obrigação cívica salvo a de aplaudi-los no fórum, só cuidando
para não parecer ironia.
A democracia é melhor. Mesmo que, como no caso do Brasil das alianças esquisitas, os partidos coligados em disputa
lembrem uma salada mista, e ninguém saiba ao certo quem representa o quê. E onde, com o poder econômico mandando e
desmandando, a atividade política termine parecendo apenas uma pantomima. Não importa, não deixa de ser – comparada com o
que já foi – uma maravilha.
Luis Fernando Veríssimo, 31/08/2014, www.geledes.org.br