Questões Militares Comentadas por alunos sobre morfologia em português

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Q1327751 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Analise as assertivas abaixo:

 I. Na oração “Nos jardins pragas: tiriricas, picões…”, o verbo “haver” pode ser substituído no plural

pelo verbo “existem”.


II. Na oração “foi o poeta que a tocou” o termo “a” classifica-se como uma preposição.


III. O acento grave foi utilizado em “sementes à espera...”, pois há uma locução de base feminina.


IV. Em “Ensinar primavera às areias”, “às” é a contração de “a” preposição mais “as” artigo.


Marque a alternativa cujas assertivas estejam CORRETAS:


Alternativas
Q1327750 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Marque a alternativa INCORRETA quanto à classificação da conjunção em destaque:
Alternativas
Q1327747 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


No trecho do TEXTO I, “Mas há coisas que não estão do lado de fora”, a conjunção “mas” tem o valor semântico de
Alternativas
Q1327630 Português
TEXTO II
PEQUENOS DELITOS
Walcyr Carrasco
    Compras do mês. Percorro as prateleiras do supermercado olhando gulosamente tudo aquilo que é bom mas engorda. Um senhor magro e grisalho para diante dos iogurtes. Olha em torno, cautelosamente. Agarra uma garrafinha sabor morango, abre e vira na boca, bem depressa. Esconde a embalagem. Disfarço, mas sigo o homem. Podem me chamar de abelhudo. Sou. Minha desculpa é que só tento entender o comportamento humano para escrever depois. Dali a pouco o homem pega um pacote de bolachas. Abre. Come algumas. A sobremesa? Na banca de frutas. Uvas itália tiradas do cacho. Um pêssego pequeno. Devora. Esconde o caroço no bolso. Nem sei como consegue fazer a digestão, tal a rapidez. Não, não se trata de nenhum MSS — Movimento dos Sem-Supermercado ou coisa que o valha. É um senhor com jeito de vovozinho e trajes de classe média. Termina as compras de barriga cheia e com expressão de vitória.
    — Faço de tudo para não praticar pequenos delitos — conta uma amiga.
    — É uma responsabilidade pessoal.
    Culposamente, lembro de quando vou comprar fruta seca. Adoro uva passa. Com a desculpa de experimentar, pego uma. Duas. Três. Trezentas! Outra amiga é absolutamente contra camelôs. Diz que emporcalham a cidade. Há uma semana chegou com um brinquedo para os filhos.
    — Paguei baratinho — contou animada.
    — Era de uma banquinha do centro da cidade. Espantei-me.
    — Você não é contra?
    — Sou contra, mas não sou burra!
    Pode? Hoje em dia se fala muito em ética. Mas, quando podem dar o golpe nas pequenas coisas, muita gente se sente orgulhosa. Conheço uma livraria, em Pinheiros, onde sempre se aceita devolução. Recentemente uma senhora levou seu exemplar. A gerente não reconheceu o livro. A cliente teimou. Ela verificou todas as notas. Simplesmente o título não havia sido negociado. Insistiu: 
    — Eu troco, desde que a senhora me diga a verdade. Não é daqui, é?
A mulher reconheceu: havia comprado o exemplar há tempos, em outro lugar. Mesmo assim, aceitou a troca e saiu satisfeitíssima com um livro novo. Outra cliente levou o livro de atividades do filho, acompanhada pela criança. Trocou. Dias depois se descobriu que os questionários internos estavam preenchidos a mão. Era golpe.
    — Que exemplo essa mulher dá ao filho? — admira-se a moça.
   E quando o troco vem errado? Confesso que a minha primeira reação é de alegria! De repente, tenho mais dinheiro do que pensava. Em seguida lembro que a diferença será paga pelo caixa. Devolvo. Já vi gente feliz da vida porque o dono da loja fez confusão nos preços. Outra coisa que odeio é emprestar e não receber. Há uma predisposição, para não pagar pequenas dívidas. Mesmo quem empresta fica sem jeito. — São só cinco reais... não faço questão.
    Como se fosse feio receber o que é seu! Já ouvi, uma vez que reclamei.
    — Pão-duro! Você liga pra mixaria?
    Tenho um conhecido que jamais tem dinheiro para dar ao manobrista. Sempre pede um trocado. Se eu não tenho, pede desculpas ao homem.
    — Da próxima vez, dou em dobro. Ou então:
    — Saí sem talão de cheques. Hoje você paga o jantar, o próximo é meu. Ah, que raiva! De facadinha em facadinha, faz uma bela economia.
    Surrupiar um queijinho no supermercado parece não ter sequer importância. Mas os pequenos delitos, quando somados, tornam a vida na cidade grande ainda mais selvagem.

Fonte: https://comissaodecultura.files.wordpress.com/2011/06/walcyr-carrasco-pequenos-delitos-e-outras-crc3b4nicas.pdf
Assinale a alternativa em que o advérbio destacado não tem sentido de modo:
Alternativas
Q1327624 Português
TEXTO I
CORRUPÇÃO CULTURAL OU ORGANIZADA?
Renato Janine Ribeiro
    Ficamos muito atentos, nos últimos anos, a um tipo de corrupção que é muito frequente em nossa sociedade: o pequeno ato, que muitos praticam, de pedir um favor, corromper um guarda ou, mesmo, violar a lei e o bem comum para obter uma vantagem pessoal. Foi e é importante prestar atenção a essa responsabilidade que temos, quase todos, pela corrupção política − por sinal, praticada por gente eleita por nós.

    Esclareço que, por corrupção, não entendo sua definição legal, mas ética. Corrupção é o que existe de mais antirrepublicano, isto é, mais contrário ao bem comum e à coisa pública. Por isso, pertence à mesma família que trafegar pelo acostamento, furar a fila, passar na frente dos outros. Às vezes é proibida por lei, outras, não.

    Mas, aqui, o que conta é seu lado ético, não legal. Deputados brasileiros e britânicos fizeram despesas legais, mas não éticas. É desse universo que trato. O problema é que a corrupção "cultural", pequena, disseminada − que mencionei acima − não é a única que existe. Aliás, sua existência nos poderes públicos tem sido devassada por inúmeras iniciativas da sociedade, do Ministério Público, da Controladoria Geral da União (órgão do Executivo) e do Tribunal de Contas da União (que serve ao Legislativo).

    Chamei-a de "corrupção cultural" pois expressa uma cultura forte em nosso país, que é a busca do privilégio pessoal somada a uma relação com o outro permeada pelo favor. É, sim, antirrepublicana. Dissolve ou impede a criação de laços importantes. Mas não faz sistema, não faz estrutura. 

    Porque há outra corrupção que, essa, sim, organiza-se sob a forma de complô para pilhar os cofres públicos − e mal deixa rastros. A corrupção "cultural" é visível para qualquer um. Suas pegadas são evidentes. Bastou colocar as contas do governo na internet para saltarem aos olhos vários gastos indevidos, os quais a mídia apontou no ano passado.

    Mas nem a tapioca de R$ 8 de um ministro nem o apartamento de um reitor − gastos não republicanos − montam um complô. Não fazem parte de um sistema que vise a desviar vultosas somas dos cofres públicos. Quem desvia essas grandes somas não aparece, a não ser depois de investigações demoradas, que requerem talentos bem aprimorados da polícia, de auditores de crimes financeiros ou mesmo de jornalistas muito especializados.

    O problema é que, ao darmos tanta atenção ao que é fácil de enxergar (a corrupção "cultural"), acabamos esquecendo a enorme dimensão da corrupção estrutural, estruturada ou, como eu a chamaria, organizada.

    Ora, podemos ter certeza de uma coisa: um grande corrupto não usa cartão corporativo nem gasta dinheiro da Câmara com a faxineira. Para que vai se expor com migalhas? Ele ataca somas enormes. E só pode ser pego com dificuldade. 

    Se lembrarmos que Al Capone acabou na cadeia por ter fraudado o Imposto de Renda, crime bem menor do que as chacinas que promoveu, é de imaginar que um megacorrupto tome cuidado com suas contas, com os detalhes que possam levá-lo à cadeia − e trate de esconder bem os caminhos que levam a seus negócios.

    Penso que devemos combater os dois tipos de corrupção. A corrupção enquanto cultura nos desmoraliza como povo. Ela nos torna "blasé". Faz-nos perder o empenho em cultivar valores éticos. Porque a república é o regime por excelência da ética na política: aquele que educa as pessoas para que prefiram o bem geral à vantagem individual. Daí a importância dos exemplos, altamente pedagógicos.

    Valorizar o laço social exige o fim da corrupção cultural, e isso só se consegue pela educação. Temos de fazer que as novas gerações sintam pela corrupção a mesma ojeriza que uma formação ética nos faz sentir pelo crime em geral.

    Mas falar só na corrupção cultural acaba nos indignando com o pequeno criminoso e poupando o macrocorrupto. Mesmo uma sociedade como a norte-americana, em que corromper o fiscal da prefeitura é bem mais raro, teve há pouco um governo cujo vice-presidente favoreceu, antieticamente, a uma empresa de suas relações na ocupação do Iraque.

    A corrupção secreta e organizada não é privilégio de país pobre, "atrasado". Porém, se pensarmos que corrupção mata − porque desvia dinheiro de hospitais, de escolas, da segurança −, então a mais homicida é a corrupção estruturada. Precisamos evitar que a necessária indignação com as microcorrupções "culturais" nos leve a ignorar a grande corrupção. É mais difícil de descobrir. Mas é ela que mata mais gente.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2806200909.htm#_=_
Glossário:
Blasé: entediado, indiferente.
Marque a alternativa em que poderia haver uma preposição antes da palavra que, sublinhada abaixo:
Alternativas
Respostas
396: C
397: D
398: B
399: D
400: C