Texto 2
The Queen
Confesso que gosto da rainha Elizabeth, que, se
entendi bem, o que eu duvido, colocou um blog, ou coisa
parecida, seu na internet. Ela parecia exercer seu reinado
com placidez e um toque de tédio, de quem gostaria mesmo
de estar com os seus cavalos, embora às vezes seja difícil
saber se alguém está chateado ou apenas sendo inglês
em público. Mas, agora, sabe-se que o enfado da rainha
escondia um desejo secreto de modernização e relevância.
O blog da rainha seria uma resposta às repetidas sugestões
para que se aposente. Ela se renova para ficar. Ou talvez
só esteja preocupada em poupar a nação do Charles, ou o
Charles da nação.
Nas fotografias de Elizabeth quando moça,
nota-se — se não for uma tara minha — uma certa
sensualidade no rosto, algo nos olhos que ela teve que
domar para não fugir com um cavalariço, ficar e cumprir
suas obrigações. Sobrou disso uma resignação irônica
que se vê nos cantos da sua boca até hoje. O inglês
Alan Bennett escreveu uma peça sobre Anthony Blunt,
um aristocrático historiador de arte que era consultor do
palácio e também, soube-se muitos anos depois, espião
da União Soviética, em que a rainha aparece, de surpresa,
numa cena. Elizabeth e Blunt têm uma conversa sobre a
autenticidade na arte que também é uma conversa sobre
a duplicidade nas pessoas e a crescente vulgarização da
monarquia e suas riquezas, e em que ela diz: “Um monarca
já foi definido como alguém que não precisa olhar antes
de se sentar. Não mais. É preciso olhar, hoje em dia, pois
uma boa possibilidade de a sua cadeira não estar ali, mas
em exibição em outro lugar.” A frase é de Bennett, mas é
possível imaginá-la dita pela rainha, com o meio sorriso
desencantado de quem um dia sonhou ser outra coisa, mas
não teve escolha.
(VERISSIMO, Luis Fernando. O mundo é bárbaro e o que nós
temos ver com isso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 131-132)