Precisamos falar sobre fake news
Minha mãe tem 74 anos e, como milhões de
pessoas no mundo, faz uso frequente do celular. É com
ele que. conversando por voz ou por vídeo. diariamente. vence a distância e a saudade dos netos e netas.
Mas, para ela, assim como para milhares e
milhares de pessoas, o celular pode ser também uma
fonte de engano. De vez em quando, por acreditar no que
chega por meio de amigos no seu WhatsApp, me envia
uma ou outra mensagem contendo uma fake news. A
última foi sobre um suposto problema com a vacina da
gripe que, por um momento, diferente de anos anteriores, a fez desistir de se vacinar.
Eu e minha mãe, como boa parte dos
brasileiros, não nascemos na era digital. Nesta sociedade
somos os chamados migrantes e, como tais, a tecnologia
nos gera um certo estranhamento (e até constrangimento),
embora nos fascine e facilite a vida.
Sejamos sinceros. Nada nem ninguém nos
preparou para essas mudanças que revolucionaram a
comunicação. Pior: é difícil destrinchar o que é verdade
em tempo de fake news.
Um dos maiores estudos sobre a disseminação
de notícias falsas na internet, publicado ano passado na
revista "Science", foi realizado pelo Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados
Unidos, e concluiu que as notícias falsas se espalham
70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito
mais gente.
Isso porque as fake news se valem de textos
alarmistas, polêmicos, sensacionalistas, com destaque
para notícias atreladas a temas de saúde, seguidas de
informações mentirosas sobre tudo. Até pouco tempo
atrás, a imprensa era a detentora do que chamamos de
produção de notícias. E os fatos obedeciam a critérios de
apuração e checagem.
O problema é que hoje mantemos essa mesma
crença, quase que religiosa, junto a mensagens das quais
não identificamos sequer a origem, boa parte delas
disseminada em redes sociais. Confia-se a ponto de
compartilhar, sem questionar. O impacto disso é preocupante. Partindo de
pesquisas que mostram que notícias e seus
enquadramentos influenciam opiniões e constroem leituras
da realidade. a disseminação das notícias falsas tem
criado versões alternativas do mundo, da História, das
Ciências "ao gosto do cliente", como dizem por ar.
Os problemas gerados estão em todos os
campos. No âmbito familiar, por exemplo, vai de pais que
deixam de vacinar seus filhos a ponto de criar um grave
problema de saúde pública de impacto mundial. E passa
por jovens vítimas de violência virtual e física.
No mundo corporativo, estabelecimentos
comerciais fecham portas, profissionais perdem suas
reputações e produtos são desacreditados como resultado
de uma foto descontextualizada, uma imagem alterada ou
uma legenda falsa.
A democracia também se fragiliza. O processo
democrático corre o risco de ter sua força e credibilidade afetadas por boatos. Não há um estudo capaz de
mensurar os danos causados, mas iniciativas
fragmentadas já sinalizam que ela está em risco.
Estamos em um novo momento cultural e
social, que deve ser entendido para encontrarmos um
caminho seguro de convivência com as novas formas e
ferramentas de comunicação.
No Congresso Nacional, tramitam várias
iniciativas nesse sentido, que precisam ser amplamente
debatidas, com a participação de especialistas e
representantes da sociedade civil.
O problema das fake news certamente passa
pelo domínio das novas tecnologias, com instrumentos de
combate ao crime, mas, também, pela pedagogia do
esclarecimento.
O que posso afirmar, é que, embora não
saibamos ainda o antídoto que usaremos contra a
disseminação de notícias falsas em escala industrial, não
passa pela cabeça de ninguém aceitar a utilização de
qualquer tipo de controle que não seja democrático.
O.A., O Globo, em 10 de julho de 2019