Questões Militares Para cmm

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Q1327761 Português

Leia charge abaixo para responder ao item:Imagem associada para resolução da questão

Quando se olha essa charge, veem-se três fatos históricos, respectivamente: a menina da bomba de Hiroshima no Japão, uma criança faminta da África e Aylan Kurdi, o menino sírio que morreu com outros refugiados. Os fotógrafos ganharam o prêmio de foto do ano, mas carregam consigo um peso dividido entre milhares de pessoas. Quanto à charge, é CORRETO afirmar que

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Q1327760 Português
Assinale a alternativa INCORRETA.
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Q1327759 Português

Leia o TEXTO VIII para responder aos item.

TEXTO VIII 

SOLIDARIEDADE

    “O gesto não precisa ser grandioso nem público, não é necessário pertencer a uma ONG ou fazer uma campanha. Sobretudo, convém não aparecer.

    O gesto primeiro devia ser natural, e não decorrer de nenhum lema ou imposição, nem convite nem sugestão vinda de fora. 

    Assim devíamos ser habitualmente, e não somos, ou geralmente não somos: cuidar do que está do nosso lado. Cuidar não só na doença ou na pobreza, mas no cotidiano, em que tantas vezes falta a delicadeza, a gentileza, a compreensão; esquecidos os pequenos rituais de respeito, de preservação do mistério, e igualmente da superação das barreiras estéreis entre pessoas da mesma casa, da família, das amizades mais próximas. 

    [...] 

    Pois se ainda não começamos a ser solidários dentro de nós mesmos e dentro de nossa casa ou do nosso círculo de amigos, como querer fazer campanhas, como pretender desfraldar bandeiras, como desejar salvar o mundo - se estamos perdidos no nosso cotidiano? 

    Como dizer a palavra certa se estamos mudos, como escutar se estamos surdos, como abraçar se estamos congelados? 

    Para mim, a solidariedade precisa ser antes de tudo o aprendizado da humanidade pessoal.

    Depois de sermos gente, podemos - e devemos - sair dos muros e tentar melhorar o mundo. Que anda tão, tão precisado. ” 

(Lya Luft, São Paulo 2001. Adaptado)

De acordo com a leitura do texto, NÃO se pode afirmar que:
Alternativas
Q1327758 Português

Leia o TEXTO VIII para responder aos item.

TEXTO VIII 

SOLIDARIEDADE

    “O gesto não precisa ser grandioso nem público, não é necessário pertencer a uma ONG ou fazer uma campanha. Sobretudo, convém não aparecer.

    O gesto primeiro devia ser natural, e não decorrer de nenhum lema ou imposição, nem convite nem sugestão vinda de fora. 

    Assim devíamos ser habitualmente, e não somos, ou geralmente não somos: cuidar do que está do nosso lado. Cuidar não só na doença ou na pobreza, mas no cotidiano, em que tantas vezes falta a delicadeza, a gentileza, a compreensão; esquecidos os pequenos rituais de respeito, de preservação do mistério, e igualmente da superação das barreiras estéreis entre pessoas da mesma casa, da família, das amizades mais próximas. 

    [...] 

    Pois se ainda não começamos a ser solidários dentro de nós mesmos e dentro de nossa casa ou do nosso círculo de amigos, como querer fazer campanhas, como pretender desfraldar bandeiras, como desejar salvar o mundo - se estamos perdidos no nosso cotidiano? 

    Como dizer a palavra certa se estamos mudos, como escutar se estamos surdos, como abraçar se estamos congelados? 

    Para mim, a solidariedade precisa ser antes de tudo o aprendizado da humanidade pessoal.

    Depois de sermos gente, podemos - e devemos - sair dos muros e tentar melhorar o mundo. Que anda tão, tão precisado. ” 

(Lya Luft, São Paulo 2001. Adaptado)

No TEXTO VIII, há marcas do recurso argumentativo. Assim, podemos afirmar que:
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Q1327757 Português

Leia o TEXTO VII para responder aos item


Quanto à construção sintático-discursiva dos termos do TEXTO VII, marque como verdadeiras (V) ou falsas (F) cada uma das assertivas abaixo:
( ) O comportamento da mãe de Armandinho é representado pela dificuldade de colocar-se no lugar do outro. ( ) No 1º quadrinho, o garoto utilizou um vocativo para chamar o interlocutor, a mãe. ( ) No 2º quadrinho, a colocação do pronome “nos” é proclítica, pois ele foi atraído, obrigatoriamente, pela palavra de negação. ( ) Se substituirmos a locução adverbial “com certeza”, no 3º quadrinho, pelo advérbio “realmente” haverá prejuízo no sentido.
Assinale a sequência CORRETA:
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Q1327756 Português

Leia o TEXTO VII para responder aos item


Considerando os aspectos sintáticos e semânticos da tirinha, é CORRETO afirmar que
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Q1327755 Português

Leia a charge para responder ao item 

TEXTO VI



A charge é um gênero textual que apresenta uma crítica a um fato por meio do humor. Observando os recursos visuais e linguísticos do TEXTO VI, indique a resposta CORRETA:
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Q1327754 Português

Analise a imagem para responder ao item.


O texto acima apresenta linguagem não verbal e demonstra a ação de pessoas no ambiente urbano próximo a um mendigo. Podemos inferir do texto que o vocábulo que melhor representa essa relação humana é a
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Q1327753 Português

Leia os TEXTOS III e IV para responder ao Item:

TEXTO III


TAXA DE REJEIÇÃO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS NO AMAZONAS É DE 41%, DIZ MINISTÉRIO

Estado realizou no primeiro semestre deste ano 105 transplantes. Índice é de 4 doadores efetivos por milhão de população.

    O Amazonas realizou no primeiro semestre deste ano 105 transplantes, segundo levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde. O número é resultado dos 16 doadores identificados na região. O índice é de 4 doadores efetivos por milhão de população e a taxa de rejeição de doação de órgãos é de 41%, menor em relação a 2015. (...) Essas doações possibilitaram a realização de 12.091 transplantes entre janeiro e julho, registrando aumento nos procedimentos de órgãos mais complexos, como pulmão, fígado e coração, de 31%, 6% e 7%. No Amazonas, a recusa das famílias está em 41%, número menor em relação ao mesmo período de 2015, quando a porcentagem era de 57%. Isso quer dizer que quase metade das famílias ainda rejeita a doação de órgãos de um parente com diagnóstico de morte encefálica.

(http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2016/09/taxa-de-rejeicao-de-doacao-de-orgaos-no-am.html)



Os TEXTOS III e IV apresentam gêneros distintos: uma notícia e uma campanha, que tratam sobre o mesmo tema: doação de órgãos. Ao relacioná-los, podemos inferir que
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Q1327752 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Leia a tirinha abaixo para responder ao item.

Imagem associada para resolução da questão


Na tirinha acima, observa-se a preocupação do pai de Armandinho em criar uma conscientização sobre o tema “doação de medula óssea”, assim tentando sensibilizar o filho a imaginar-se no lugar do outro com o mais profundo sentimento. Comparando a ideia de “mais profundo sentimento” com o TEXTO I, de Rubem Alves, assinale a alternativa que NÃO expressa o mais profundo sentimento: 

Alternativas
Q1327751 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Analise as assertivas abaixo:

 I. Na oração “Nos jardins pragas: tiriricas, picões…”, o verbo “haver” pode ser substituído no plural

pelo verbo “existem”.


II. Na oração “foi o poeta que a tocou” o termo “a” classifica-se como uma preposição.


III. O acento grave foi utilizado em “sementes à espera...”, pois há uma locução de base feminina.


IV. Em “Ensinar primavera às areias”, “às” é a contração de “a” preposição mais “as” artigo.


Marque a alternativa cujas assertivas estejam CORRETAS:


Alternativas
Q1327750 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Marque a alternativa INCORRETA quanto à classificação da conjunção em destaque:
Alternativas
Q1327749 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Na oração “A solidariedade, como a beleza, é inefável”. Assinale a opção que apresenta a mesma função sintática do termo em destaque: 
Alternativas
Q1327748 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Considerando os aspectos sintático-semânticos dos trechos, retirados do TEXTO I, assinale a única opção CORRETA.
Alternativas
Q1327747 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


No trecho do TEXTO I, “Mas há coisas que não estão do lado de fora”, a conjunção “mas” tem o valor semântico de
Alternativas
Q1327746 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Em “Eu e a criança - dois corpos separados e distintos”, temos o exemplo de um fato. Sabe-se que fato é diferente de opinião. Indique o trecho que expressa uma opinião:
Alternativas
Q1327745 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Na crônica, o autor afirma que a solidariedade é um sentimento do mundo interior. Assinale o trecho em que o cronista NÃO considera como solidariedade
Alternativas
Q1327744 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Quanto à linguagem e estrutura da crônica lida, pode-se afirmar que
Alternativas
Q1327743 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Infere-se, pela leitura do TEXTO I, que o gênero lido tem a finalidade de
Alternativas
Q1327742 Português

Leia o TEXTO I para responder do item.

TEXTO I

É ASSIM QUE ACONTECE A SOLIDARIEDADE

    “Se te perguntarem quem era essa que às areias e aos gelos quis ensinar a primavera…”: é assim que Cecília Meireles inicia um de seus poemas. Ensinar primavera às areias e aos gelos é coisa difícil. Gelos e areias nada sabem sobre primaveras... Pois eu desejaria saber ensinar a solidariedade a quem nada sabe sobre ela. O mundo seria melhor. Mas como ensiná-la? 

    Será possível ensinar a beleza de uma sonata de Mozart a um surdo? Como, se ele não ouve? E poderei ensinar a beleza das telas de Monet a um cego? De que pedagogia irei me valer para comunicar cores e formas a quem não vê? Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas. Sobre a solidariedade muitas coisas podem ser ditas. Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade… Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura. A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

    Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela não pode ser dita. A solidariedade pertence a uma classe de pássaros que só existem em voo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

    A beleza é um desses pássaros. A beleza está além das palavras. Walt Whitman tinha a consciência disso quando disse: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo a alma…”. Ele conhecia os limites das suas próprias palavras. E Fernando Pessoa sabia que aquilo que o poeta quer comunicar não se encontra nas palavras que ele diz; antes, aparece nos espaços vazios que se abrem entre elas, as palavras. Nesse espaço vazio se ouve uma música. Mas essa música – de onde vem ela se não foi o poeta que a tocou?

    [...].

    O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras.

    Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera…

    Sim, sim! Imagine isso: o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende… As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas… De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões… 

    Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente… 

    Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

    A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor…

    Já disse que solidariedade é um sentimento. É esse o sentimento que nos torna mais humanos. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos. A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. Acontece assim: eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade.

    Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro. É assim que acontece a bondade.

    Mas fica pendente a pergunta inicial: como ensinar primavera a gelos e areias? Para isso as palavras do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio dos gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas reuniões políticas, e, principalmente, na solidão… 

    “O menino me olhou com olhos suplicantes.

    E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes…”.

(ALVES, Rubem. "As melhores crônicas de Rubem Alves”. Adaptado)

Glossário:

Cecília Meireles: foi jornalista, pintora e escritora brasileira.

Mozart: foi um prolífico e influente compositor austríaco do período clássico.

Monet: foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.

Walt Whitman: foi um poeta, ensaísta e jornalista norte-americano.

Fernando Pessoa: foi um poeta e crítico literário português.


Quanto ao recurso utilizado na estruturação presente no gênero, analise as assertivas abaixo:
I. O autor faz uma relação dialógica explícita entre o texto e a citação de Walt Whitman, assim estabelecendo uma intertextualidade. II. Em “A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente”, o autor estabelece uma relação de comparação semântico-discursiva entre a solidariedade e a semente. III. Em “A solidariedade é como um ipê”, temos uma metáfora. IV. O assunto solidariedade é abordado a partir da visão subjetiva do autor.
Marque a alternativa cujas assertivas estejam CORRETAS:
Alternativas
Respostas
41: D
42: E
43: E
44: A
45: A
46: D
47: B
48: B
49: E
50: E
51: C
52: D
53: A
54: E
55: B
56: E
57: C
58: B
59: A
60: D