Questões de Concurso
Sobre acentuação gráfica: proparoxítonas, paroxítonas, oxítonas e hiatos em português
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O Desaparecido
Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.
BRAGA, Rubem. A Traição das Elegantes . Rio de Janeiro:
Editora Sabiá. 1969, p. 112.
2º Comparo Machado de Assis a Pelé (...) não porque sejam semelhantes como personalidades e estilos, mas porque ______ aquela similitude dos opostos complementares: além de todas as diferenças óbvias implicadas nos campos da literatura e do futebol, o foco de um ilumina o cerne da nossa incapacidade de escapar ao retorno vicioso do mesmo, e o do outro a nossa capacidade de invenção lúdica e a extraordinária potência da nossa promessa de felicidade. O que os ______ é a afirmação, na negatividade e na possibilidade, da consciência fulminante e da intuição em ato, assim como a capacidade de fazer o país saltar aos nossos olhos como melhor do que ele mesmo.
3º Mas melhor do que ele mesmo supõe necessariamente um pior do que ele mesmo. Machado de Assis radiografou de maneira implacável o nosso atraso como um descortino fulgurante, cujo avanço não paramos de descobrir. E só pôde fazê-lo da maneira que o fez, acredito eu, porque viu por dentro a sociedade de ponta a ponta – como condição entranhada em sua trajetória de vida – e porque deu uma poderosa forma nova ....... tradição literária acumulada. Mais do que atraso, no entanto, flagrou a paralisia congênita da alma nacional, se quisermos chamar desse modo o renitente sistema auto-ilusão compartilhada que refuga os golpes do real ...... custa de expedientes de acomodação e escape que _______ ileso o estado de coisas, mesmo quando insustentável.
4º O futebol brasileiro é, por sua vez, o saldo ambivalente desse déficit, seu veneno e seu remédio prodigioso. Seria mais um mecanismo de fuga entre outros se não fosse, ao mesmo tempo, o campo em que a experiência brasileira encontrou uma das vias privilegiadas para atravessar o seu avesso e tocar as fraturas traumáticas que nos constituem e permanecem em nós como um atoleiro. Ele é a confirmação do paradoxo da escravidão brasileira como um mal nunca superado e, ao mesmo tempo, como um bem valioso em nossa existência, não pela escravidão enquanto tal – o que é óbvio e gritante aos céus –, mas pela amplitude de humanidade que desvelou. Por isso mesmo, ele figura como redenção e como falha irresolvida, como remédio irremediável em que pendulamos, na incapacidade de estender os seus dons vitoriosos e potentes ....... outras áreas da vida nacional – em especial à educação e à política, com implicações para todo o resto. E a mesma cegueira faz com que se queira gozar os seus efeitos como se fossem dados de presente e desde sempre e que se recuse ....... reconhecer o custo permanente da sua construção.
(WISNIK, José Miguel. Veneno Remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008).
( ) A palavra “óbvias" recebe acento gráfico pela mesma regra de “lúdicas".
( ) A palavra “experiência" recebe acento gráfico pela mesma regra de “congênita" e “fazê- lo".
( ) As palavras “áreas" e “possíveis" são acentuadas por serem paroxítonas terminadas em ditongo crescente.
( ) As palavras “déficit" e “traumática" obedecem à mesma regra de acentuação.
( ) As paroxítonas “implacável" e “insustentável" são acentuadas por terminarem em “el".
Assinale a sequência correta de cima para baixo:
Clemente Ganz Lúcio Patrícia Lino Costa.
(Extraído de: carosamigos.com.br).
Agricultura digital, você sabe o que é?
(Bianca Zadrozny)
1 O uso de tecnologias de agricultura de precisão – como GPS, monitores de colheita, equipamentos para aplicação variada de sementes, água e fertilizantes – é algo cada vez mais comum no País. Além de sua utilidade direta em permitir a automação e o controle mais preciso das operações no campo, esse tipo de tecnologia tem outro efeito, talvez ainda mais importante: a geração de dados precisos sobre cada operação realizada desde o plantio até a colheita, em cada ponto de uma propriedade rural.
2 Com a maior disponibilidade de acesso à Internet em áreas rurais do Brasil, esses dados começam a ser transmitidos automaticamente dos equipamentos até a nuvem, ou seja, computadores acessíveis pelos agricultores remotamente por meio de websites conhecidos como portais de telemetria. Esses portais permitem o acompanhamento remoto das operações no campo, geralmente com a visualização dos valores medidos e da localização de equipamentos na forma de mapas. Outras fontes de informação, como imagens e medições feitas por câmeras e sensores em satélites, no solo, ou em veículos aéreos não tripulados (VANTs), além de dados meteorológicos locais, começam também a ser utilizadas e visualizadas nesse tipo de portal.
3 A coleta e a integração de todos esses dados, aliadas a técnicas avançadas de análise de dados e modelagem computacional, torna possível a criação de modelos cada vez mais detalhados e capazes de simular com exatidão o que acontece no campo. Essas simulações, sendo executadas na nuvem, podem ser utilizadas para gerar automaticamente diversos tipos de recomendações que vão desde a seleção das sementes, criação de mapas de aplicação e irrigação a taxas variadas até a determinação do momento mais adequado para a colheita. A promessa é que essa “agricultura digital" aumente a produtividade agrícola e, ao mesmo tempo, diminua o uso de água e de fertilizantes, evitando desperdícios.
4 Um exemplo de sucesso da agricultura digital foi uma parceria da IBM Research com a Vinícola E & J Gallo, na Califórnia (EUA), a maior exportadora de vinhos californianos. Os produtores notaram que a irrigação e a fertilização uniformes não produziam uvas de boa qualidade por causa das características variadas do solo. Por meio do uso de sensores de umidade, temperatura e radiação, além de imagens de satélite, foi desenvolvido um sistema para fazer recomendações em tempo real para cada planta, diretamente controlando as linhas de irrigação e fertilização por gotejamento. O resultado do uso desse sistema integrado foi um aumento de 23% na produção de uvas com uma redução de 20% no uso de água, sem comprometimento da qualidade das uvas.
5 Estima-se que a agricultura digital possa trazer benefícios similares para diversas outras culturas. A Federação dos Agricultores Norte-Americanos prevê um aumento médio de 13% na produtividade e na redução de 15% dos custos. Gigantes do ramo, como Monsanto, John Deere & Co., Dupont e BASF, já perceberam o potencial da agricultura digital e estão investindo pesadamente nesse tipo de solução como forma de agregar valor aos seus produtos e serviços.
6 Fabricantes de equipamentos agrícolas têm certa vantagem por terem acesso direto aos dados gerados por seus equipamentos. Por outro lado, os produtores de sementes e fertilizantes têm um grande incentivo de fazer que seus produtos tragam bons resultados ao agricultor, através de recomendações mais adequadas às necessidades dele e, por isso, muitas vezes oferecem recomendações em troca de dados. Dessa forma, eles passam a ter acesso a dados de inúmeras fazendas, o que dá ainda mais subsídio aos seus sistemas de recomendação.
7 Percebendo o valor dos dados e preocupadas com a sua privacidade, as cooperativas e associações de agricultores nos EUA, como a Iowa Farm Bureau e a Flint River Partnership, estão começando a discutir o assunto, tentando influenciar as regulamentações sobre uso dos dados agrícolas por terceiros, além de desenvolver suas próprias soluções de agricultura digital. Nesse cenário, também surgem empresas especializadas somente em agricultura digital que oferecem serviços aos agricultores, desde a coleta de dados usando VANTs até previsões meteorológicas mais precisas e adequadas às suas necessidades.
8 A agricultura digital é uma nova maneira de olhar para o negócio no campo em fazendas de todos os tamanhos, desde as das grandes empresas até a do pequeno produtor. A revisão da automatização de processos por meio de tecnologias cada vez mais acessíveis a todos melhora a produtividade e reduz desperdícios, agregando mais valor ao produto final.
Texto adaptado de <http://revistagloborural.globo.com/Tecnologia-no-Campo/noticia/2015/09/o-nascimento-da-agricultura-digital.html> . Acessado em 12 de outubro de 2015.
O estudo do Instituto Avante Brasil constatou, ainda, que a taxa de homicídios também alcançou o patamar mais elevado, com 29 casos por 100 mil habitantes.O índice considerado "não epidêmico" pela Organização Mundial da Saúde, da ONU, é de 10 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.
Para efeito de comparação, a média de mortes no Iraque na última década, país que está em guerra, foi de 550 mil. No mesmo período, o Brasil registrou a mesma quantidade de mortes. Segundo o Relatório Global sobre Homicídios da ONU, em 2012, o país, que representa 3% da população mundial, registrou 10% dos homicídios ocorridos em todo o mundo.
Diante desse cenário, o Plenário da Câmara dos Deputados se transformou em comissão geral para ouvir deputados, policiais, juízes, promotores, secretários de Segurança de vários estados e outras entidades, que apontaram as saídas para diminuir a criminalidade no Brasil.
(Rádio Câmara, julho de 2015)
Texto para responder à questão.
1º Aconteceu há muito tempo, num lugar em que só havia mata, um matagal sem fim.
2º Neste lugar moravam onças, panteras, tigres, elefantes, jacarés e mais os animais que você quiser pôr na história, que agora ela é sua.
3º Como é história de animais em que aparece leão, havia um rei, o Leonis. Quando ele morresse, o rei seria seu filho Leonas, como antes tinha sido o avô Leonardo.
4º Só que tem um negócio> os animais estavam pensando em mudar a lei do lugar, para pôr um chefe que fosse eleito por todos. Enquanto isso, o jovem Leonas aproveitava por ser filho do rei.
5º Bastava encontrar animais almoçando uma caça, partia pra cima. Ele chegava, olhava e berrava: “________ para mim!”
6º Se via um grupo conversando, Leonas chegava, gritava, ordenava: “Quero saber de tudo!” Parece que os animais que têm mania de mandar nos outros vivem pensando que os outros só fazem falar mal deles.
7º Um dia ele ________ de ter as pintas da dona Onça Pintada, porque um pêlo assim belo deveria ser do filho do rei. Não adiantou a Onça protestar, o rei falar, o ministro das Explicações explicar. Parece que os animais que gostam de mandar nos outros pensam que podem ter tudo que desejam.
8º Os bichos andavam fartos do leão, que andava cheio de querencias. Mas se calavam: de medo ou _________ mesmo. Até que uma corça velha, muito velha, com o nariz cheio de barro, os bichos reuniu.
9º – Os tiranos gostam de sua tirania. Quanto mais mandam, mais gostam de mandar. Mas também sentem desprezo dos que deixam tudo assim ficar. Por isso, ou vocês reagem agora, ou, para viver em paz, vão ter que abandonar a mata.
10 Os bichos ficaram espantados como uma corça velha, muito velha, com o nariz cheio de barro, que tinha coragem de falar o que sentia. E eles ficaram pensando no que ela tinha dito. Pensando, pensando.
A lebre e a tartaruga
Moral da fábula: A persistência ultrapassa os dons naturais quando estes são negligenciados.
Fábula recontada por Anna Frascolla.

Kant se diferenciou dos filósofos anteriores por propor de forma convincente um modelo que combinasse o racionalismo e o empirismo, o conhecimento adquirido pela experiência. Em sua teoria do “idealismo transcendental", ambos são necessários para compreender o mundo. O pensador argumentava que algo deve existir dentro do espaço e do tempo para ser percebido pelos sentidos. Ao mesmo tempo, ele diz que não seria possível estudar o espaço se antes disso já não houvesse um conhecimento prévio sobre ele. Sem a “sensibilidade", que é a capacidade de sentir as coisas e ter intuições ao longo da vida, você sequer saberia que existem objetos. Mas, sem o “entendimento", que permite pensar sobre essas coisas e criar conceitos, você também não saberia que aquilo que está tocando e vendo é − afinal − tal objeto e não outro. O filósofo também _________________ sobre como o homem deveria proceder em relação aos seus semelhantes para obter a felicidade. Kant postulou o que chamou de “imperativo categórico": a necessidade de agir de modo que a ação possa se tornar o princípio de uma lei válida para qualquer pessoa.
Hoje, estudiosos costumam dividir a filosofia em antes e depois de Kant − afinal, ele tornou obsoletos vários debates mantidos até ali pelos filósofos modernos. O pensador fez oposição frontal aos raciocínios produzidos somente pela razão, que não questionam se a razão tem capacidade para explicar certas questões. Para Kant, nossa racionalidade é limitada para pensar em Deus e nas “coisas em si", e a filosofia não deveria se dedicar a esses pontos, ao menos não da maneira como vinha fazendo. Kant inspiraria a prolífica geração de pensadores alemães do século 19, iniciando uma nova era de discussão na filosofia.
Quanto à acentuação das palavras paroxítonas, analisar os itens abaixo:
I - “Pólen” deve ser acentuada, mas “polens” não.
II - “Caráter” deve ser acentuada, mas “caracteres” não.
III - “Abdômen” deve ser acentuada, mas “abdomens” não.
Estão CORRETOS:
( ) As palavras abaixo, dependendo do contexto são usadas com ou sem acento. “porém" – “até" – “potência" – “está". ( ) Escreve-se como “existe" todas as palavras abaixo relacionadas. en__oval – en__urrada – e__torsão – en__ergar. ( ) A divisão silábica das palavras abaixo está INCORRETA. ca-ís-se – con-quis-ta – con-sci-ên-cia – ab-so-lu-ta. ( ) A pontuação está correta nas frases abaixo. Não, entre nesse recinto agora. Não entre nesse recinto agora. ( ) O plural diminutivo de “coração" é coraçãozinhos.
Assinale a alternativa correta.
Estar envolvido ou comprometido. Eis a questão.
Washington Luis Silva de Souza
Disponível em: <http://www.rh.com.br/Portal/imprima.php?cod=5841>. Acesso em: 02 nov. 2015. (adaptado).
História de bem-te-vi
Cecília Meireles
Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e "querejuás todos azuis de cor finíssima...". Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é leitura...
Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar.
E é pena, pois com esse nome que tem — e que é a sua própria voz — devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborreceria.
O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: "...te-vi! ...te-vi", com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano.
Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão — como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? — animou-se a uma audácia maior Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar apenas daqui, dali, invisível e brincalhão: "...vi! ...vi! ...vi! ..." o que me pareceu divertido, nesta era do twist.
O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol — que se não há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão nenhuma no primeiro indivíduo que encontram.
Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar E cantava assim: "Bem-bem-bem...te-vi!" Pensei: "É uma nova escola poética que se eleva da mangueira!..." Depois, o passarinho mudou. E fez: "Bem-te-te-te... vi!" Tornei a refletir: "Deve estar estudando a sua cartilha... Estará soletrando..." E o passarinho: "Bem-bem-bem...te-te-te...vi-vi-vi!"
Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: "Que engraçado! Um bem-te-vi gago!"
(É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira...)
Texto extraído do livro “Escolha o seu sonho", Editora Record – Rio de Janeiro, 2002, pág. 53
Texto: Meu ideal seria escrever...
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse – “ai meu Deus, que história mais engraçada!”. E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria – “mas essa história é mesmo muito engraçada!”.
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse – e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse – “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!”. E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontâ- nea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago – mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina”.
E quando todos me perguntassem – “mas de onde é que você tirou essa história?” – eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma história...”.
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.
Rubem Braga, In: A traição das elegantes, Editora Sabiá -
Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.
Texto: Insustentabilidade dos agrotóxicos
O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos no cultivo de alimentos. Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são despejados em nosso país. Um bilhão de litros ao ano: 5,2 litros por brasileiro! Ao recorde quantitativo soma-se o drama de autorizarmos o uso das substâncias mais perigosas, já proibidas na maior parte do mundo por causarem danos sociais, econômicos e ambientais.
Pesquisas científicas comprovam os impactos dessas substâncias nas vidas de trabalhadores rurais, consumidores e demais seres vivos, revelando como desencadeiam doenças como câncer, disfunções neurológicas e má-formação fetal, entre outras. [...]
O poder das transnacionais que produzem agrotóxicos (uma dúzia delas controla 90% do que é ofertado no mundo) permite que o setor garanta a autorização desses produtos danosos nos países menos desenvolvidos, mesmo já tendo sido proibidos em seus países de origem.
As pesquisas para a emissão de autorizações analisam somente os efeitos de cada pesticida isoladamente. Não há estudos que verifiquem a combinação desses venenos que se misturam no ambiente e em nossos organismos ao longo dos anos.
É insustentável a afirmação de que a produção de alimentos, baseada no uso de agrotóxicos, é mais barata. Ao contrário, os custos sociais e ambientais são incalculáveis. Somente em tratamentos de saúde há estimativas de que, para cada real gasto com a aquisição de pesticidas, o poder público desembolsa R$1,28 para os cuidados médicos necessários. Essa conta todos nós pagamos sem perceber.
O modelo monocultor, baseado em grandes propriedades e utilização de agroquímicos, não resolveu nem irá resolver a questão da fome mundial (872 milhões de desnutridos, segundo a FAO).
Esse sistema se perpetua com a expansão das fronteiras de cultivo, já que ignora a importância da biodiversidade para o equilíbrio do solo e do clima, fazendo com que as áreas utilizadas se degradem ao longo do tempo. Ele cresce enquanto há novas áreas a serem incorporadas, aumentando a destruição ambiental e o êxodo rural.
Em um planeta finito, assolado por desequilíbrios crescentes, a terra fértil e saudável é cada vez mais preciosa para garantir a sobrevivência dos bilhões de seres humanos.
Infelizmente não há meio termo nesse setor. É impossível garantir a qualidade, a segurança e o volume da produção de alimentos dentro desse modelo degradante. Não há como incentivar o uso correto de pesticidas. Isso não é viável em um país tropical como o Brasil, em que o calor faz roupas e equipamentos de segurança, necessários para as aplicações, virarem uma tortura para os trabalhadores.
Há que buscar solução na transição agroecológica, ou seja, na gradual e crescente mudança do sistema atual para um novo modelo baseado no cultivo orgânico, mantendo o equilíbrio do solo e a biodiversidade, e redistribuindo a terra em propriedades menores.
Isso facilita a rotatividade e o consórcio de culturas, o combate natural às pragas e o resgate das relações entre os seres humanos e a natureza, valorizando o clima e as espécies locais.
Existem muitas experiências bem-sucedidas em nosso país e em todo o mundo, que comprovam a viabilidade desse novo modelo. Até em assentamentos da reforma agrária há exemplos de como promover a qualidade de vida, a justiça social e o desenvolvimento sustentável. [...]
A outra opção é seguir nos iludindo com os falsos custos dos alimentos, envenenando nossa terra, reduzindo a biodiversidade, promovendo a concentração de renda, a socialização dos prejuízos e a criação de hospitais especializados no tratamento de câncer, como ocorre em Unaí (MG), onde se multiplicam os casos dessa gravíssima doença, devido ao cultivo tóxico de feijão.
Frei Betto. Disponível em: http://www.freibetto.org/index.php/ artigos/14-artigos/33-
insustentabilidade-dos-agrotoxicos. Acesso em 8/05/2015.