Leia o texto a seguir para responder à questão.
Em versão olfativa do teste do espelho, cobras
parecem reconhecer próprio cheiro
Existe uma coisa nos estudos sobre cognição
chamada “teste do espelho”. Ele é bem intuitivo:
você põe animais na frente de um espelho e vê se
eles admiram o próprio reflexo ou pensam se
tratar de outro bicho. Para nós, humanos, é óbvio
que aquela imagem refletida é nossa – bebês a
partir de 18 meses já sabem disso. Mas essa
capacidade não é universal.
O teste geralmente envolve colocar alguma coisa
estranha na cara do bicho. Pode ser um pingo de
tinta colorida no pelo, um adesivo, um pedaço de
pano. É importante que essa anomalia esteja fora
do campo de visão do animal – na testa, por
exemplo –, de modo que ele só consiga percebê-la quando estiver de frente para o espelho. Se o
animal nota e investiga a marca quando vê seu
reflexo, isso pode indicar autoconsciência – a
habilidade de se tornar o objeto de sua própria
atenção.
Quando um animal pode identificar sua própria
imagem no espelho, existe a possibilidade de que
ele consiga diferenciar outros seres de si próprio,
reconhecer que seus colegas também têm
intenções e até se colocar no lugar de outros
indivíduos.
Um grupo de pesquisadores queria conduzir o
teste do espelho com espécies de cobras. Porém,
como esses répteis não tem lá a melhor das
visões, os cientistas tiveram que adaptar a
execução do experimento para o sentido
predominante dessas pegajosas: o olfato.
A descrição do estudo foi publicada em um artigo
no periódico especializado Proceedings of the
Royal Society B. Nele, o trio de pesquisadores
conta como pegou amostras de cheiro das cobras,
modificou essas amostras e então observou se
elas se reconheceriam e sentiriam curiosidade
com a mudança.
O teste foi aplicado em 36 indivíduos da espécie
cobra-liga oriental (Thamnophis sirtalis sirtalis)
e 18 indivíduos de píton-real (Python regius). A primeira é considerada mais social e a segunda,
mais solitária.
Eles coletaram óleo corporal das cobras
esfregando pedaços de algodão pela sua pele.
Então, eles deixaram cada cobra sozinha com um
entre cinco aromas: o seu próprio, o seu com um
pouco de azeite adicionado, apenas azeite, um de
outra cobra da mesma espécie e um de outra
cobra com um pouco de azeite.
Os cientistas prestaram atenção no tempo que as
cobras passavam agitando a língua. Esse é o
principal indicador do interesse de um indivíduo
por um cheiro. As cobras-liga orientais exibiam
movimentos de língua muito mais longos quando
eram expostas ao próprio cheiro com azeite, em
comparação com as outras quatro possibilidades.
“Elas só fazem movimentos longos com a língua
quando estão interessadas ou investigando algo”,
diz Noam Miller, um dos pesquisadores do
estudo. Isso sugere que as cobras-liga podem
reconhecer quando há algo diferente em si
mesmas. “Eles podem estar pensando: ‘Isso é
estranho, eu não deveria cheirar assim’”.
Por outro lado, as pítons-reais respondiam de
forma parecida a todos os cinco cheiros. Os
pesquisadores supõem que espécies mais sociais,
o caso das cobras-liga orientais, sejam mais
propensas a ter autoconsciência.
Alguns pesquisadores ainda não compraram a
ideia de que as cobras seriam capazes de se
autorreconhecer. Já outros biólogos consideram
as descobertas significativas – e argumentam que
esse experimento é mais realista do que o teste do
espelho. Afinal, uma superfície reflexiva não é
nada comum na natureza. Contudo, encontrar e
compreender a importância dos sinais químicos
deixados por você e por seus parentes no
ambiente é, provavelmente, um aspecto muito
importante da interação rotineira entre esses
animais.
Revista Superinteressante. Adaptado. Disponível em <https://super.abril.com.br/ciencia/em-versaoolfativa-do-teste-do-espelho-cobras-parecemreconhecer-proprio-cheiro>